Os povos indígenas que lutam pela garantia de seus direitos devem se unir e construir uma campanha global para se defenderem contra invasões e projetos de desenvolvimento que os obriguem a deixar seus territórios, disse uma especialista da ONU.
Um esforço conjunto pode aumentar a segurança e o apoio mundial a comunidades locais envoltas em disputas vitais por seus territórios contra governos e corporações, disse Vicky Taulo-Corpuz, relatora especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas.
As ameaças e a violência contra povos indígenas por causa de direitos de propriedade estão sendo estimulados por governos de direita, disse ela em meio a um encontro de lideranças indígenas de todo o mundo em Nova York, nesta semana.
Ela destacou o Brasil e as Filipinas, país onde nasceu e que no ano passado tentou classificá-la como terrorista.
No Brasil, o governo de Jair Bolsonaro busca abrir as reservas indígenas à mineração e ao desenvolvimento comercial.
“Temos que lançar uma campanha global contra a criminalização e a impunidade contra povos indígenas”, disse Vicky Tauli-Corpuz à Fundação Thomson Reuters.
Uma campanha conjunta com iniciativas online, bases de dados e outras ferramentas pode ajudar ativistas a compartilharem informações e angariar apoio global, disse ela.
“O que protege povos é quando é uma questão global, e as pessoas vêm para nos apoiar e denunciar essas coisas”, disse ela. “Você realmente precisa falar sobre medidas protetivas que sejam baseadas na comunidade.”
Cerca de quatro ativistas ambientais e de proteção de territórios foram assassinados por semana em 2017, de acordo com o mais recente levantamento da Global Witness, organização de defesa dos direitos humanos baseada no Reino Unido.
Muitos engajados na luta contra interesses de corporações multinacionais no investimento para extração de minerais, petróleo e gás.
Alguns líderes ativistas que compareceram às reuniões na ONU rumaram de lá para o Brasil, onde participam do encontro anual Acampamento Terra Livre, em defesa dos direitos indígenas.
A luta dos indígenas para não serem esquecidos em Brasília¹
Há 15 anos, indígenas brasileiros acampam diante do Congresso para apresentar reivindicações às autoridades. Chamado de "farra" pelo atual governo, ato ganha renovada importância em 2019: "A gente tem que enfrentar".
É a primeira vez que Yasmin Nharin Krenak, 17 anos, está em Brasília. Ela veio trazer à capital federal notícias da Terra Indígena (TI) onde vive, no município de Resplendor, Minas Gerais, banhada pelo rio Doce. Atingidos pelos rejeitos da mineração que vazaram há três anos e meio da barragem da Samarco, Vale e BHP, em Mariana, os krenak não chegam mais perto da água. "Ficamos doentes. Não podemos pescar, nadar, pegar nossas plantas medicinais. Está tudo triste", conta à DW Brasil.
Um pouco mais à frente, homens da Força Nacional encaram a movimentação no gramado da Esplanada do Ministérios. É onde indígenas vindos de todo o país montam barracas e lonas. Eles formam o Acampamento Terra Livre (ATL), manifestação pacífica que, há 15 anos, apresenta às autoridades reivindicações desses povos.
A recepção, no entanto, não é das melhores. Dias antes, o presidente Jair Bolsonaro disse numa transmissão pelas redes sociais que o "encontrão de índio" seria financiado com dinheiro público e que a "farra" deixaria de existir no governo dele.
"Muitos ficaram com medo de vir por causa dessas falas", diz Elza N?mnadi Xerente, que saiu do Tocantins e viajou 30 horas de ônibus. A despesa foi custeada por recursos próprios.
Cerca de 4 mil representantes de diferentes etnias estão em Brasília para a marcha, que vai até sexta-feira (26/04) e que, depois de negociações com a Força Nacional, transferiu as barracas para um ponto mais distante do Congresso Nacional.
"A gente tem que enfrentar. A gente nem sabia falar português, nem sabia negociar, mas a gente resiste e está aqui até hoje". Xerente traz de sua aldeia histórias de invasão de terras e contaminação por agrotóxico pulverizado por aviões em fazendas de soja próximas.
Registros de violência, roubo de madeira, mineração ilegal e invasões são acompanhados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O órgão tenta provar que a ilegalidade cometida em territórios que, segundo a Constituição, deveriam ser de uso exclusivo dos indígenas brasileiros, abastece também consumidores na Europa e nos Estados Unidos.
"Carne, chocolate, couro, madeira, soja são vendidos no exterior a custo de sangue indígena", afirma Luiz Eloy, da etnia terena, advogado da Apib. "As pessoas têm que ter consciência que podem estar consumindo produtos que vêm de territórios em conflito".
Rastro internacional de ilegalidade
Desde que apresentou essa denúncia a políticos no Parlamento Europeu, Eloy é cobrado a apresentar nomes de empresas envolvidas na cadeia ilegal de fornecimento. Pela primeira vez, poderá ser apresentada uma lista com 27 companhias internacionais suspeitas.
O levantamento feito em parceria com a ONG americana Amazon Watch, publicado nesta quinta-feira (25/04), revela empresas que contribuíram para o aumento do desmatamento ilegal na Amazônia entre 2017 e 2019. Multadas nesse período em milhões de reais pelo Ibama, as operações ilegais abasteceram mercados consumidores externos.
"Usamos o banco de dados do Ibama para identificar as empresas - dentro e fora do Brasil - envolvidas nas ilegalidades e cruzamos com informações de mercado", explica sobre a metodologia do estudo Christian Poirier, da Amazon Watch.
A carne produzida pela Agropecuária Santa Barbara Xinguara (AgroSB) e Agropecuária Rio da Areia, campeãs em multas por desmatamento ilegal, acaba sendo exportada, por exemplo, por empresas como JBS, Marfrig e Minerva, segundo o estudo.
Já o couro com rastro ilegal vai parar principalmente em curtumes italianos. No caso da madeira vinda de desmatamento, a análise identificou empresas compradoras na Bélgica, Holanda, Dinamarca, França, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos.
Gigantes como Archer Daniels Midland, Cargill, Bunge e LouIs Dreyfus também são citadas pela Amazon Watch. Boa parte do dinheiro que financia as operações dessas empresas vêm de fundos e bancos internacionais - US Bancorp, BNP Paribas, JP Morgan Chase, Barclays BLC, Citigroup, Deutsche Bank e HSBC fazem parte do grupo.
"Queremos embargos econômicos. Que os mercados deixem de comprar dessas empresas até que haja garantia de que os produtos não vêm de áreas de conflito indígena", diz Eloy sobre os efeitos esperados após a divulgação da lista.
Dentro das fronteiras
A exposição dessa teia internacional ligada a conflitos dentro de territórios indígenas tem um objetivo: reforçar dentro do país o direito à terra dessas populações. Lideranças da Apib acreditam que a pressão vinda do mercado externo pode ter algum impacto no Brasil.
A tentativa de diálogo com as autoridades segue durante o acampamento em Brasília. No topo da lista de reivindicações está a demarcação de terras indígenas, que passou do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura desde que Bolsonaro assumiu o governo.
"Existe por parte do governo esse ânimo acirrado de autorizar mineração em terras indígenas. Somos contra porque isso significa a morte para nós", explica Lindomar Terena, que aguarda a demarcação da TI Cachoeirinha, em Mato Grosso do Sul. O estado é o maior em número de conflitos violentos por conta da disputa de terra com fazendeiros ligados ao agronegócio.
Em reunião na Câmara dos Deputados, lideranças indígenas ouviram do presidente da Casa, Rodrigo Maia, que a Fundação Nacional do índio (Funai) será restabelecida e que voltará para o Ministério da Justiça.
"Vamos evitar projetos polêmicos ao máximo", disse Maia em seu gabinete, diante de vários representantes indígenas de diversas etnias. "Tenho boa relação com a ministra Tereza Cristina, acredito que ela seja uma pessoa boa e preparada para ouvir", afirmou, rebatendo as críticas de que a ministra da Agricultura busca enfraquecer os territórios indígenas para favorecer a expansão do agronegócio.
A resposta de Maia veio depois do discurso de Alessandra Munduruku, do Pará. De voz firme, a estudante de Direito silenciou o gabinete por alguns minutos após seu discurso. "Os índios não são animais. Não vamos entregar nossas terras. Não entreguem nossa Amazônia para os Estados Unidos, como o presidente Bolsonaro prometeu. Nós pedimos respeito aos nossos povos e tradições. É isso que estamos pedindo há mais de 500 anos".
A resposta de Maia veio depois do discurso de Alessandra Munduruku, do Pará. De voz firme, a estudante de Direito silenciou o gabinete por alguns minutos após seu discurso. "Os índios não são animais. Não vamos entregar nossas terras. Não entreguem nossa Amazônia para os Estados Unidos, como o presidente Bolsonaro prometeu. Nós pedimos respeito aos nossos povos e tradições. É isso que estamos pedindo há mais de 500 anos".
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