Crise na Venezuela: Brasil deveria liderar busca por solução no lugar dos EUA, diz professor de Oxford
Para viabilizar uma saída pacífica e rápida para a crise na Venezuela, o Brasil deveria assumir a liderança nas iniciativas por negociações com o governo de Nicolás Maduro, exercendo o "papel de maior país da América do Sul" e colocando os Estados Unidos em um segundo plano nesse processo. Essa é a visão do professor da Universidade de Oxford David Doyle, especialista em relações internacionais da América Latina.
"Se os Estados Unidos se envolvem, isso gera resistência de Nicolás Maduro e pode levantar questionamentos de Rússia e da China, aliados do governo venezuelano. A melhor solução, na verdade, envolveria uma negociação liderada pelo Brasil em busca de uma saída pacífica e isso exigiria entregar algo a Maduro", afirma.
Em entrevista à BBC News Brasil, Doyle argumenta que, para evitar um conflito armado na Venezuela, é necessário oferecer a Nicolás Maduro anistia por crimes que tenha cometido enquanto estava no poder ou a possibilidade de viver com segurança em algum outro país.
"Numa situação de pressão para deixar o poder, os líderes fazem um cálculo racional de custo e benefício. Seria preciso garantir, nessa equação, benefícios que estimulem Maduro a optar pela renúncia", disse o professor, que é editor da revista acadêmica Oxford Development Studies e autor de dezenas de artigos sobre política no continente americano, como "Explicando o Populismo Contemporâneo na América Latina". Maduro já declarou que aceitaria sentar à mesa de negociações, mas que não aceitaria ultimatos.
Para Doyle, as negociações sobre Venezuela poderiam representar uma oportunidade para o Brasil retomar um papel de liderança na América do Sul, após quase dez anos de uma política externa obscurecida por problemas internos. Seria também, segundo o professor, uma chance para o presidente Jair Bolsonaro se promover internacionalmente.
Mas o presidente americano, Donald Trump, vem demonstrando cada vez maior interesse em ter um papel ativo na resolução da crise na Venezuela. Em várias ocasiões, ele repetiu que uma intervenção armada não está descartada. Enquanto isso, Brasil e outros países da América do Sul rejeitam a possibilidade de usar a força contra Maduro e enxergam uma possível ação militar dos Estados Unidos como precedente para futuras ingerências de superpotências na região.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Nos últimos anos, os Estados Unidos demonstraram pouco interesse na América Latina, toleraram Hugo Chávez e os primeiros anos de governo Maduro. Por que Donald Trump passou a se empenhar pessoalmente em resolver a crise venezuelana?
"Se os Estados Unidos se envolvem, isso gera resistência de Nicolás Maduro e pode levantar questionamentos de Rússia e da China, aliados do governo venezuelano. A melhor solução, na verdade, envolveria uma negociação liderada pelo Brasil em busca de uma saída pacífica e isso exigiria entregar algo a Maduro", afirma.
Em entrevista à BBC News Brasil, Doyle argumenta que, para evitar um conflito armado na Venezuela, é necessário oferecer a Nicolás Maduro anistia por crimes que tenha cometido enquanto estava no poder ou a possibilidade de viver com segurança em algum outro país.
"Numa situação de pressão para deixar o poder, os líderes fazem um cálculo racional de custo e benefício. Seria preciso garantir, nessa equação, benefícios que estimulem Maduro a optar pela renúncia", disse o professor, que é editor da revista acadêmica Oxford Development Studies e autor de dezenas de artigos sobre política no continente americano, como "Explicando o Populismo Contemporâneo na América Latina". Maduro já declarou que aceitaria sentar à mesa de negociações, mas que não aceitaria ultimatos.
Para Doyle, as negociações sobre Venezuela poderiam representar uma oportunidade para o Brasil retomar um papel de liderança na América do Sul, após quase dez anos de uma política externa obscurecida por problemas internos. Seria também, segundo o professor, uma chance para o presidente Jair Bolsonaro se promover internacionalmente.
Mas o presidente americano, Donald Trump, vem demonstrando cada vez maior interesse em ter um papel ativo na resolução da crise na Venezuela. Em várias ocasiões, ele repetiu que uma intervenção armada não está descartada. Enquanto isso, Brasil e outros países da América do Sul rejeitam a possibilidade de usar a força contra Maduro e enxergam uma possível ação militar dos Estados Unidos como precedente para futuras ingerências de superpotências na região.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Nos últimos anos, os Estados Unidos demonstraram pouco interesse na América Latina, toleraram Hugo Chávez e os primeiros anos de governo Maduro. Por que Donald Trump passou a se empenhar pessoalmente em resolver a crise venezuelana?
David Doyle - A resposta está relacionada à política interna dos Estados Unidos. Trump, eu suspeito, não tinha grande conhecimento sobre a Venezuela antes de se tornar presidente ou mesmo depois, até a crise surgir. Eu presumo que isso tenha a ver com grupos conservadores em Miami, aliados de exilados cubanos e venezuelanos, e com a ideia - sempre levantada por Trump - da ameaça de governos socialistas.
É uma forma de se aproximar de sua base eleitoral e de atender às demandas de parcela do eleitorado- aqueles que são de segunda ou terceira geração de americanos de origem latina. Esses grupos têm sido cruciais apoiadores do Partido Republicano na Flórida.
BBC News Brasil - Os EUA têm repetido que uma intervenção militar na Venezuela não está descartada. É uma ameaça real?
Doyle - É muito difícil saber o que é real ou não. Na eleição, Trump prometeu retirar tropas americanas de solo estrangeiro. Esse foi um dos pilares da plataforma de campanha. Ele dizia que os EUA não seriam mais a polícia global, que tropas americanas não seriam mais expostas a ameaças em guerras pelo mundo. Então, é contraditório até que ele considere algum tipo de intervenção na Venezuela. Portanto, embora haja pressões domésticas, acho que é difícil saber se essa ameaça é real. Eu ficaria muito surpreso se os EUA mandassem tropas para a Venezuela.
BBC News Brasil - Vários atores internacionais estão se envolvendo na crise venezuelana. O que esse envolvimento revela sobre as disputas por poder entre Rússia, China e EUA?
Doyle - Acho que estamos vendo, mas eu hesito em dizer, uma nova forma de divisão de Guerra Fria. Há uma divisão cada vez maior entre os Estados Unidos e Rússia. E a China operando uma estratégia até certo ponto independente. Acho que a Venezuela está se tornando um palco de disputa entre duas grandes potências (EUA e Rússia). É uma forma de Vladimir Putin demonstrar a sua vontade de se opor aos poderes do Ocidente, de construir alguma forma de apoio político e demonstrar musculatura.
Mas, na América Latina, o que a gente tem visto é uma relutância entre países da região de permitir que forças estrangeiras interfiram nos seus processos democráticos. O fato de o Grupo de Lima ter rejeitado interferência externa na Venezuela mostra que ele quer lidar com o problema no contexto da América Latina.
Mas, na América Latina, o que a gente tem visto é uma relutância entre países da região de permitir que forças estrangeiras interfiram nos seus processos democráticos. O fato de o Grupo de Lima ter rejeitado interferência externa na Venezuela mostra que ele quer lidar com o problema no contexto da América Latina.
BBC News Brasil - Quais as possíveis saídas para o impasse na Venezuela?
Doyle - Nessas circunstâncias, os líderes fazem um cálculo racional de custo e benefício. Qual seria o custo de renunciar em relação aos benefícios? O custo de deixar o poder, para Maduro, envolve principalmente a possibilidade de ser preso e processado. Por causa dos mortos em manifestações e da detenção de membros da oposição, ele e seus apoiadores certamente enfrentariam algum processo judicial. Portanto, considerando esse cálculo de custo e benefício, só vejo dois caminhos para o desfecho dessa crise:
Um deles seria a remoção à força, por meio de uma guerra civil - o que seria terrível -, ou por uma intervenção liderada por países da América Latina. A segunda forma seria mudar essa equação de custo-benefício, garantindo que, se Maduro permitir uma transição, o custo para ele não seja tão alto. Para que a crise acabe de forma pacífica, Maduro e seus apoiadores precisam ter algum mecanismo de saída que garanta que eles renunciem com algum dinheiro e segurança de estar imune a processos judiciais ou que possam ir a algum lugar onde seriam imunes.
BBC News Brasil - Essa anistia não pode causar revoltar entre os que se sentiram perseguidos ou oprimidos por Maduro?
Doyle - Sim, embora essa solução permita algum tipo de transição, você vai ter uma sociedade muito polarizada e dividida. O núcleo duro dos apoiadores de Maduro ainda sentiriam que sofreram um golpe ou que tiveram sua liderança roubada. E, obviamente, teríamos membros da oposição que defendem algum tipo de justiça restaurativa pelos danos da administração de Maduro. Então, é muito difícil saber como isso vai se resolver.
BBC News Brasil - Quem deveria liderar as negociações para a oferta de uma saída a Maduro?
Doyle - Acho que seria apropriada uma negociação liderada por países da América Latina, sem participação dos Estados Unidos. Nas últimas duas décadas, as maiores ameaças à democracia - em Honduras, no Paraguai, nos atritos entre Colômbia e Equador, ou no Peru após Fujimori - foram gerenciadas por países da América Latina. Seria mais fácil para os venezuelanos - e até para Rússia e China - aceitarem uma negociação liderada internamente, entre países latino-americanos.
Doyle - Acho que seria apropriada uma negociação liderada por países da América Latina, sem participação dos Estados Unidos. Nas últimas duas décadas, as maiores ameaças à democracia - em Honduras, no Paraguai, nos atritos entre Colômbia e Equador, ou no Peru após Fujimori - foram gerenciadas por países da América Latina. Seria mais fácil para os venezuelanos - e até para Rússia e China - aceitarem uma negociação liderada internamente, entre países latino-americanos.
Se os Estados Unidos se envolvem, isso pode gerar resistência de Maduro e levantar questionamentos de Rússia e China. A melhor solução, na verdade, envolveria uma negociação liderada pelo Brasil em busca de uma saída pacífica e isso exigiria entregar algo a Maduro.
BBC News Brasil - Mas Maduro aceitaria uma negociação liderada pelo Brasil sob o governo Bolsonaro, que teve como uma das principais plataformas de campanha criticar o regime atual na Venezuela?
Doyle - Se o presidente fosse Lula ou Dilma, certamente seria mais fácil para o Brasil assumir essa liderança, porque Maduro aceitaria essa intermediação. O risco é Maduro dizer que Bolsonaro é muito similar a Trump ou que age conforme os interesses dos Estados Unidos. Mas o Brasil é o país mais poderoso da América do Sul e é vizinho, faz fronteira com a Venezuela. Então, teria todas as justificativas para exercer essa mediação diplomática.
BBC News Brasil - Seria uma oportunidade para o Brasil retomar liderança e influência na região?
Doyle - Definitivamente é uma oportunidade para Bolsonaro, se ele quiser demonstrar suas credenciais em política externa. Elas já estão sendo questionadas, especialmente depois de Davos, quando ele usou apenas sete minutos para falar quando tinha 45 minutos. A suposição que se faz é de que ele não tem uma verdadeira estratégia de política internacional. Lula tinha uma política de relações exteriores clara de que o Brasil deveria assumir uma liderança ideológica, numa época em que havia muitos governos de esquerda na América do Sul. Mas as crises internas do Brasil apagaram a política externa do país nos últimos anos.
Eu acredito que essa é uma oportunidade para Bolsonaro em dois sentidos: primeiro, para mostrar ao mundo que ele tem algum tipo de política externa; segundo, para mitigar temores de países vizinhos em relação a ele, demonstrando que pode ser uma liderança internacional e não algum tipo de populista demagogo. Acho que seria também uma forma de demonstrar legitimidade perante grupos no Brasil que ainda se opõem fortemente ao seu governo.
BBC News Brasil - A Venezuela vive uma crise econômica gravíssima e depende da importação até de produtos básicos, como alimentos. Ainda que Maduro caia, que perspectiva o país tem de voltar a ter uma economia minimamente saudável?
Doyle - Essa é a grande questão. Todos estão muito focados na transição, em acabar com o regime Maduro. Mas ignoram as realidades política e econômica que surgirão após essa queda. A (realidade) política é a que teremos uma população extremamente polarizada. Ao mesmo tempo, teremos um país totalmente dependente da exportação de petróleo, com uma moeda quase sem valor algum.
O que deve acontecer é o lançamento de algum pacote de estabilização econômica, com algum tipo de injeção de capital no país, talvez via Fundo Monetário Internacional. E será preciso um enfoque significativo em mudar o modelo de produção, reduzindo a dependência na exportação de petróleo e estimulando a produção de alimentos no interior do país. O desafio econômico é enorme, mas pode ser resolvido.
Outros países da América Latina passaram por isso após a hiperinflação dos anos 80. Mas certamente a Venezuela vai vivenciar uns bons anos de sofrimento econômico até começar a se estabilizar.
Comentários
Postar um comentário