É um erro reduzir guerra civil na Síria a jogo de interesses entre potências, afirma especialista em entrevista à DW. Dinâmicas internas e recusa de Assad a largar o poder são mais importantes que fatores externos.
A questão síria é muito mais complicada do que a interpretação amplamente difundida de que se trata de uma guerra de procuração, e o envolvimento do Ocidente no conflito continua sendo muito limitado, afirma a especialista Barbara Zanchetta, do Departamento de Estudos de Guerra do King's College, em Londres.
"A guerra civil na Síria ainda é decorrência das dinâmicas locais do país e da recusa de Assad a largar o poder. Todos os outros fatores externos são importantes, mas não são os principais determinantes", disse Zanchetta, em entrevista à DW.
Ela também avalia que a diplomacia é o único caminho para acabar com a guerra civil, mas que iniciar negociações será extremamente difícil. "Há múltiplos atores envolvidos", constata.
DW: Os Estados Unidos alcançaram seus objetivos com os bombardeios a supostas instalações químicas da Síria?
Barbara Zanchetta: O objetivo declarado dos ataques era destruir as instalações, mas acho que Estados Unidos, Reino Unido e França queriam enviar uma mensagem à Rússia e ao presidente Bashar al-Assad. Ou seja: havia tanto uma mensagem militar como uma política, e eu acho que a segunda era mais forte que a primeira.
O governo de Donald Trump está tentando mostrar que é diferente do governo de Barack Obama e que adotou uma abordagem mais dura em relação à Síria. Mas não creio que o presidente Trump seja muito diferente de seu antecessor no que se refere à Síria. O governo Trump não tem a intenção de ficar retido no país.
DW: Era também uma mensagem ao outro apoiador do presidente sírio, o Irã?
Barbara Zanchetta: Bem, a mensagem para Assad e para o Irã era de que armas químicas não serão toleradas. Um ano atrás houve um ataque semelhante, ainda que os atuais tenham sido mais poderosos. Mas não acredito que o regime de Assad vá se intimidar por esses ataques ou pela mensagem política que eles tentaram transmitir.
DW: Essa abordagem mais dura em relação à Síria deveria preocupar o Irã?
Barbara Zanchetta: O Irã não está exatamente satisfeito com a maneira como as coisas estão se desenrolando na Síria. É verdade que o regime de Assad está ganhando terreno, mas a guerra civil ainda é muito confusa. Assim, Teerã não pode estar satisfeita com a situação.
Mas são necessárias mais ações dos Estados Unidos para intimidar o Irã. Washington precisa mostrar um comprometimento maior na Síria. Por ora, os Estados Unidos estão apenas interferindo para atacar o "Estado Islâmico". Essa tem sido a política americana, e continua sendo.
Em resumo, os ataques não tiveram muita influência na situação da Síria ou dos países envolvidos no conflito. Os americanos precisam ampliar seu papel no conflito para modificar as dinâmicas no terreno.
DW: Qual o grau de envolvimento do Irã na guerra síria?
Barbara Zanchetta: O Irã está profundamente envolvido no conflito, assim como os países do Golfo e a Arábia Saudita, mas eu acho que, nós, no Ocidente, tendemos a simplificar a questão ao afirmar que um lado é apoiado pelo Irã xiita e o outro, pelos países sunitas da região. Eu não estou dizendo que esse não seja o caso. O que eu estou dizendo é que a questão síria é muito mais complicada do que isso. A guerra civil na Síria ainda é decorrência das dinâmicas locais do país e da recusa de Assad a largar o poder. Todos os outros fatores externos são importantes, mas não são os principais determinantes. Tendemos a exagerar o papel do Irã no conflito.
DW: A senhora diz que a guerra por procuração talvez não desempenhe o papel que a narrativa ocidental lhe atribui, mas o que se percebe é que a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita é de fato um fator central por trás de guerras civis na região. Um bom exemplo é o Iêmen.
Barbara Zanchetta: Deveríamos focar mais nos fatores locais, aqueles que de fato desencadearam esses conflitos. O conflito na Síria começou com manifestantes que organizavam protestos contra Assad, em meio à Primavera Árabe, há sete anos. A diferença na Síria foi a reação de Assad a esses protestos. Ele lançou uma repressão brutal a seus opositores e radicalizou os rebeldes para dificultar uma intervenção do Ocidente.
DW: Mas a intervenção ocidental agravou o conflito?
Barbara Zanchetta: Sim, mas não na dimensão em que costumamos acreditar. O envolvimento do Ocidente no conflito sírio continua sendo muito limitado. Os Estados Unidos treinaram alguns rebeldes, mas nós não sabemos de fato quão eficientes esses programas foram. Irã e Arábia Saudita têm mais influência no conflito do que o Ocidente. Da mesma forma, a Rússia desempenha um papel maior na Síria do que os Estados Unidos. Mas as dinâmicas principais continuam sendo locais.
DW: Então como resolver a questão? Segundo a senhora, os ataques dos Estados Unidos e aliados tiveram um impacto limitado no conflito, e Assad continua ganhando terreno. Não há o risco de que o Ocidente vá deixar a Síria para o Irã e a Rússia?
Barbara Zanchetta: A Síria continuará sendo um atoleiro por algum tempo. Não há solução rápida para o problema, mas essa solução terá de ser diplomática. Iniciar negociações será extremamente difícil. A questão se tornou tão complexa que não vejo outro caminho a não ser uma solução diplomática.
DW: Então a senhora acha que existe a possibilidade de que as Nações Unidas consigam convencer o Irã e a Rússia a concordar com uma solução para Síria sem Assad?
Barbara Zanchetta: Não, nós ainda não chegamos a esse ponto. Eu acredito que negociações sejam a única maneira de acabar com o conflito, mas também acredito que encontrar uma maneira de trazer todas as partes à mesa de negociações não seria fácil.
DW: Mas a comunidade internacional pode pressionar o Irã a aceitar seus termos impondo mais sanções ao país islâmico.
Barbara Zanchetta: Os americanos não têm esse grau de influência no Irã, porque perderam credibilidade com intervenções em outros países.
DW: Mas a pressão internacional e sanções à Coreia do Norte trouxeram algum resultado. Por que não se pode alcançar o mesmo na Síria?
Barbara Zanchetta: Pode-se dizer que, se aconteceu com a Coreia do Norte, também pode acontecer com a Síria. Mas, no caso da Coreia do Norte, a comunidade internacional está falando com apenas uma parte: o regime de Kim Jong-un. No caso da Síria, há múltiplos atores envolvidos. Se os Estados Unidos conseguissem encontrar uma parte para negociar na Síria, isso seria um enorme progresso. Mas a questão síria não é bilateral, ela é regional.
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