Trump se apressou a declarar a meta como atingida. Mas o que ele fez agora não é muito diferente do que já fizera em 2017. A questão síria vai muito além de Assad, e os EUA parecem não ter estratégia para lidar com isso.
O presidente americano Donald Trump, seu governo e o Pentágono foram enfáticos ao rapidamente declararem o bombardeio da madrugada de sábado (14/04) como "missão cumprida". Mas qual é, de fato, a missão dos Estados Unidos na Síria?
O discurso é de que os mais de cem mísseis lançados tinham como objetivo destruir o arsenal químico do regime de Bashar al-Assad e impedir que ele volte a usar esse tipo de arma – como fez, segundo EUA e seus aliados, em Duma recentemente.
O ataque aconteceu um ano após uma ação americana semelhante, mas de proporção menor, que mirou uma base aérea síria com mais de 50 mísseis. A ação, na ocasião, também foi uma retaliação ao uso de armas químicas por Assad.
Desta vez, o bombardeio americano foi cercado de dias de expectativa, numa intervenção que, como vem virando rotina em Washington, começou pelo Twitter: com Trump ameaçando Assad, Irã e Rússia, com implicações para a região politicamente mais volátil do mundo.
Quando o ataque de fato aconteceu, teve aliados importante – França e Reino Unido, com apoio uníssono da União Europeia – e um alcance limitado, com três alvos apenas. No final, avaliam observadores, algo bem diferente do que bradava Trump.
E isso leva a algumas perguntas. Uma delas é se o bombardeio realmente foi suficiente para fazer a mensagem – não use mais armas químicas – chegar a Assad. Há um ano, isso claramente não funcionou.
"Não estou convencido", opina Ryan Crocker, ex-embaixador americano em Iraque, Afeganistão e Paquistão. "Basicamente fizemos a mesma coisa de 2017, numa escala um pouco maior. Isso não vai minar a capacidade de Assad de usar armas químicas no futuro."
Para Philip Breedlove, ex-chefe das tropas americanas e da Otan na Europa, essa é exatamente a questão que fica em aberto. "Não esqueça que esse criminoso, esse monstro que lidera a Síria, tem o apoio da Rússia e do Irã", comenta.
Para muitos, como Mona Yacoubian, especialista em Síria do americano Instituto da Paz, mudar o cálculo de Assad provavelmente demandaria uma ameaça aos alicerces de seu regime. "E esses bombardeios foram limitados demais para isso", analisa.
O que Assad consegue sozinho
Tanto Rússia como Irã perseguem o objetivo de se estabelecer como potências capazes de determinar os rumos no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, querem restringir a influência dos EUA na região.
A guerra síria, em seu sétimo ano, deixou um vácuo de poder na região, que as potências – não apenas regionais – tentam preencher de forma cada vez mais decisiva. Nesta guerra, há muito tempo o mais importante deixou de ser os interesses da oposição ou de Assad.
Em jogo está algo de maior dimensão. Enquanto Rússia e Irã, aliados do regime sírio, tentam ampliar sua influência na região, seus adversários – sobretudo EUA e, cada vez mais, Israel – buscam evitar isso.
"Lembre: Assad, sozinho, não é capaz de fazer todas essas coisas que estão acontecendo a seu redor. Ele é capacitado, encorajado e empoderado por Rússia e Irã", comenta Breedlove. "Se eles falarem 'não fala isso de novo', ele provavelmente não o fará", complementa Crocker.
Para o ex-embaixador, é importante olhar especialmente para o Irã neste caso. "Não acho que os iranianos estão de acordo com isso. Eles sofreram com muitos ataques químicos na guerra com o Iraque, sabem o que é passar por isso".
E a Rússia, diz Yacoubian, apesar da retórica belicosa, também não teria interesse numa escalada do conflito com os EUA na Síria e poderia estar inclinada, ela mesma, a conter o uso de armas químicas por Assad.
Quem pode influenciar o presidente
Crocker vê como positiva a decisão americana de, desta vez, não atacar sozinho, mas avalia com preocupação a não participação de outros países, além de França e Reino Unido, na ação. O diplomata lembra que os cem anos do Tratado de Versalhes estão chegando, e esse é um mau sinal para o mundo árabe.
"Ninguém no Ocidente vai tuitar sobre isso, mas todo mundo no Oriente Médio vai: porque foram os britânicos e franceses, é claro, que dividiram os territórios otomanos no Oriente Médio", diz o ex-embaixador.
Dias antes do ataque, o Pentágono parecia tentar conter o ímpeto de guerra, com o secretário de Defesa, James Mattis, alertando para os riscos de um conflito maior. A forma como o bombardeio foi executado leva a crer que ele teve influência na decisão final.
"Está claro que ele foi capaz de acalmar o presidente", diz Crocker. "Não são muitas as pessoas que conseguem fazer isso." A pergunta agora, segundo especialistas, é se Trump vai continuar a ouvir seus assessores, especialmente com a ascensão do linha-dura John Bolton como conselheiro de segurança nacional da Casa Branca.
Também desperta interesse se a nova equipe ao redor de Trump – Mattis, Bolton e Mike Pompeo, que deve ser confirmado como secretário de Estado – vai se ocupar da questão que Crocker, como diplomata, considera central: "Ainda não há uma estratégia para a Síria em Washington".
Ataques dos EUA na Síria atingiram todos os alvos, diz Pentágono¹
O Pentágono afirmou neste sábado que os ataques dos Estados Unidos na Síria atingiram todos os alvos e tiveram como objetivo dar um sinal inequívoco ao governo sírio e impedir o uso futuro de armas químicas.
O tenente-general Kenneth F. McKenzie disse a repórteres em uma coletiva de imprensa que os ataques foram precisos, esmagadores e eficazes.
Ataque à Síria reduz centro de pesquisa a destroços e fumaça²
Habitantes de Damasco forma acordados na manhã de sábado por uma série de explosões na cidade, altas demais até mesmo para pessoas acostumadas ao barulho de bombardeios pesados.
Dez horas depois dos mísseis, fumaça ainda subia dos destroços de um centro de pesquisas no distrito de Barzeh, em Damasco, que os países ocidentais disseram que era parte de um programa secreto de armas químicas do governo sírio.
Estados Unidos, Reino Unido e França atacaram alvos ao redor da Síria em resposta a um suposto ataque com gás, uma semana atrás, mas o governo sírio, apoiado pela Rússia, nega o uso ou a posse desse tipo de arma.
As explosões deixaram o Centro de Pesquisas Científicas da Síria, em pé contra as colinas íngremes e secas do nordeste de Damasco, em pouco mais do que ruínas.
O centro não fica longe de Ghouta, no leste, área de cidades e fazendas que era o maior enclave de rebeldes lutando contra o presidente Bashar al-Assad. O último desses grupos se rendeu horas depois do suposto ataque com armas químicas que motivaram os ataques aéreos deste sábado, no fim de uma ofensiva do governo na região que durou sete semanas.
Próximo dos destroços, Saeid Saeid, chefe do departamento de polímeros, disse que os prédios eram usados para pesquisas e produção de medicamentos que não podem ser importados, inclusive antídotos e remédios para tratamento de câncer.
O general dos fuzileiros navais dos EUA, Joseph Dunford, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, disse que o local era um centro de pesquisa, desenvolvimento, produção e teste de armas químicas e biológicas.
O porta-voz do Pentágono, o tenente-general Kenneth Mckenzie, disse que 76 mísseis foram atirados contra o local e “destruíram três prédios na região metropolitana de Damasco, um dos espaços aéreos mais bem defendidos do mundo”.
O cheiro de fogo e fumaça flutavam pelos destroços de cinco prédios destruídos, durante uma turnê de imprensa organizada pelo governo. Apenas um portão e um prédio severamente danificado escaparam.
Bombardeios na Síria são sinal importante ao Irã e Hezbollah, diz ministro israelense³
Bombardeios na Síria são sinal importante ao Irã e Hezbollah, diz ministro israelense³
Os ataques liderados pelos Estados Unidos na Síria são um “sinal importante” para o Irã, e para os militantes do grupo sírio-libanês Hezbollah, disse um ministro do gabinete do governo israelense neste sábado.
“O uso de armas químicas ultrapassa a linha vermelha que a humanidade não pode mais tolerar”, disse no Twitter Yoav Gallant, membro do gabinete de Segurança do primeiro ministro de Israel Benjamin Netanyahu.
Forças norte-americanas, britânicas e francesas fizeram ataques aéreos na madrugada em resposta a um ataque de gás venenoso que matou dezenas de pessoas na semana passada. O presidente dos EUA, Donald Trump, disse que estava preparado para responder até que o governo de Assad suspenda o uso de armas químicas.
“O ataque americano é um sinal importante para o eixo do mal - Irã, Síria e o Hezbollah”, disse Gallant.
Uma autoridade israelense disse que Israel foi notificado dos ataques com antecedência. Perguntado sobre a antecedência do anúncio recebido por Israel, a autoridade disse à Reuters: “Entre 12 e 21 horas, eu acredito”.
Perguntado se Israel havia ajudado na escolha dos alvos, o oficial, que falou em condição de anonimato disse: “Não que eu tenha conhecimento”.
Uma porta-voz da embaixada dos EUA confirmou à Reuters que Israel havia sido notificado antes dos ataques, mas não ofereceu mais detalhes.
O envolvimento do Irã na Síria em apoio ao presidente Bashar al-Assad alarmou o governo israelense, que já disse que contra-atacaria qualquer ameaça. O Hezbollah, movimento apoiado pelo Irã, que tem um extenso arsenal de mísseis, combateu Israel em guerra pela última vez em 2006.
Síria, Irã, e Rússia dizem que Israel esteve por trás do ataque a uma base Síria na última segunda-feira que vitimou sete militares iranianos, acusação que não foi confirmada nem negada por Israel.
Na quarta-feira o presidente russo Vladimir Putin conversou com o primeiro ministro de Israel Benjamin Netanyahu e pediu que ele não faça nada para desestabilizar a Síria, de acordo com um comunicado do Kremlin.
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