Crise venezuelana em cinco pontos





A transferência do líder opositor Leopoldo López para a prisão domiciliar trouxe uma mudança inesperada ao conflito político que sacode a Venezuela, com uma onda de protestos contra o presidente Nicolás Maduro que completa 100 dias e que deixou 91 vítimas fatais.
Veja os cinco pontos principais da profunda crise política, econômica e institucional venezuelana:
- Disputa de poderes -
O choque de poderes é constante desde janeiro de 2016, quando a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) assumiu o controle do Legislativo após 17 anos de hegemonia chavista.
O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), acusado de servir ao governo, declarou o Parlamento em desacato e considera suas decisões "nulas". No final de março, adotou temporariamente as competências do Parlamento, o que a oposição denunciou como "um golpe de Estado".
A sentença "pulverizou a divisão dos poderes", disse à AFP o analista Luis Vicente León.
A crise institucional chegou à Procuradoria. A procuradora-geral, Luisa Ortega, denunciou que o TSJ rompeu a ordem constitucional e se tornou a mais dura crítica de Maduro, após anos de linha chavista.
O governo processa Ortega, o que pode resultar em sua destituição. Se isso acontecer, uma advogada chavista assumirá o mais alto cargo do Ministério Público. Enquanto isso, o Parlamento se apressa em nomear novos magistrados, embora isso não seja reconhecido pelo TSJ e pelo governo.
- Crise econômica -
A queda dos preços do petróleo desde 2014 castigou a economia venezuelana, que recebe 96% de suas divisas da exportação de hidrocarbonetos.
O país precisou reduzir drasticamente as importações, o que levou a uma grande escassez de alimentos e medicamentos. A indústria está estagnada por falta de insumos. Segundo estimativas privadas, a economia retrocedeu 11,3% em 2016.
O severo desabastecimento é combinado com a inflação mais alta do mundo, que o FMI projeta em 720% para 2017.
Maduro atribui o colapso a uma "guerra econômica" de empresários de direita que, segundo ele, buscam desestabilizá-lo para dar um golpe de Estado com a oposição política, apoiada pelos Estados Unidos.
- Eleições -
A oposição tem tentado desde 2016 realizar um referendo revocatório contra Maduro, mas o processo foi suspenso pelo poder eleitoral, alegando irregularidades.
Descartado o revocatório, a oposição pediu eleições gerais, o que Maduro descarta. As eleições de governadores estão previstas para dezembro de 2017 e as presidenciais para o fim de 2018.
Em meio à convocação de eleições, Maduro convocou uma Assembleia Nacional Constituinte, cuja eleição será realizada no próximo 30 de julho, segundo ele para trazer a paz e a recuperação econômica ao país.
A oposição considera essa Constituinte uma "fraude" pela qual o chavismo pretende perpetuar-se no poder, e convocou para 16 de julho um plebiscito simbólico para demonstrar que a maioria da população rejeita essa iniciativa.
- Direitos humanos -
Nesses 100 dias de protestos se multiplicaram as denúncias de violações dos direitos humanos por parte da força pública, à qual a oposição, o Ministério Público e as ONGs acusam de "forte repressão".
O MP denunciou vários policiais e militares pela morte de alguns manifestantes, roubos, e outras ações ilegais. A procuradoria também foi contrária ao fato de que dezenas de manifestantes tenham sido submetidos à justiça militar.
Segundo a ONG Foro Penal, com as prisões durante as manifestações, os "presos políticos" chegaram a aproximadamente 430.
No sábado, López, o mais emblemático dos opositores presos, foi transferido, por motivos de saúde, da prisão para a casa, depois de três anos e cinco meses atrás das grades. Ele foi condenado a quase 14 anos de prisão por incitar a violência nos protestos contra Maduro de 2014, que deixaram 43 mortos.
- Diálogo -
Após o fracasso do processo de referendo, governo e oposição iniciaram um diálogo político em outubro de 2016 com a mediação do Vaticano. Mas, um mês depois, essa tentativa também não teve sucesso.
Para o analista Benigno Alarcón esse diálogo teve um "alto custo" para a oposição, pois desmobilizou as manifestações, que depois foram retomadas de forma maciça após as decisões do TSJ.
Com a prisão domiciliar de López, os analistas veem a possibilidade para uma nova negociação na qual, segundo León, terá que se fazer "concessões", se a ideia for encontrar uma saída para a crise.

Chavismo inicia campanha eleitoral para Constituinte

Mobilizações favoráveis ao governo em Caracas e em outras cidades venezuelanas abriram neste domingo a campanha para as eleições da Assembleia Constituinte convocada pelo presidente Nicolás Maduro, previstas para 30 de julho e rejeitadas pela oposição.
"A poderosa locomotiva da Constituinte arranca hoje, um dia histórico!", disse Jorge Rodríguez, encarregado por Maduro de comandar a campanha do governante Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), para milhares de apoiadores de Maduro no estado Vargas (norte).
"É o mais poderoso dos esforços de diálogo", acrescentou Rodríguez.
O dirigente assegurou que "cada voto será uma ratificação pela batalha pela paz" em meio a uma onda de protestos da oposição que completa 100 dias, deixando 91 mortos.
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) se negou a apresentar candidatos, ao denunciar a Constituinte como uma manobra do governo para perpetuar-se no poder.
Chavistas críticos de Maduro também se opuseram à iniciativa, alegando que ela derrogará a Constituição vigente, impulsionada pelo falecido ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013), sem que tenha sido submetida a uma plebiscito prévio.
"A Constituinte ratifica nosso compromisso com o povo, com a revolução, com o legado de Chávez, porque a Constituinte é a paz", garantiu Flores em Caracas.

Venezuela completa 100 dias de protestos, com Leopoldo López fora da prisão



A Venezuela completou, neste domingo (9), 100 dias de protestos que já deixaram 91 mortos. Milhares de venezuelanos da oposição foram às ruas protestar para reafirmar que continuarão reivindicando a saída do presidente Nicolás Maduro e a libertação plena de Leopoldo López e dos demais presos políticos.
"Cem dias e sigo em rebeldia contra a tirania", dizia o cartaz de um dos mais de 2 mil manifestantes que se concentraram em Caracas, trajando camisetas com o rosto de López.
Símbolo dos opositores encarcerados, López foi para o regime domiciliar neste sábado, após três anos e cinco meses na prisão. A oposição não se deu por satisfeita e convocou novas marchas até alcançar "a liberdade plena do país".
"Hoje completam 100 dias de um país que não quer viver de joelhos, que quer comida, medicamentos, oportunidades", disse o deputado José Manuel Olivares durante o ato.
Dirigentes opositores convocaram a população a participar de um plebiscito simbólico em 16 de julho, para mostrar a recusa maciça à Assembleia Constituinte convocada por Maduro, que vê como uma "fraude" do chavismo para proteger "uma ditadura".
No centro da cidade, milhares de seguidores de Maduro, vestidos de vermelho, participaram de um ato de campanha pela Constituinte, cuja eleição acontece no dia 30 de julho.
- 'Continuaremos lutando' -
Em mensagem lida por seu colega Freddy Guevara, López incitou a população a continuar nas ruas e apoiar o plebiscito.
A mudança do regime de Leopoldo é o aceno mais expressivo do governo à oposição desde o início de uma onda de protestos em 1º de abril que já deixou 91 mortos, em meio a uma devastadora crise econômica.
O Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), que a oposição acusa de ser aliado ao governo, alegou "problemas de saúde" para colocar López em prisão domiciliar - usando uma tornozeleira eletrônica, segundo sua família.
López, que tem 46 anos, foi detido em fevereiro de 2014 e condenado a quase 14, acusado de incitar a violência em protestos contra Maduro naquele ano, que deixaram 43 mortos.
A oposição vê a saída de López da prisão como um "triunfo inegável" dos protestos. "Continuaremos lutando pela liberdade dos presos políticos", assegurou Lilian Tintori, mulher do opositor.
Segundo a ONG Foro Penal, com as prisões destes 100 dias, os chamados presos políticos somam 430.
- Não houve negociação -
A esposa de Leopoldo López, Lilian Tintori, negou neste domingo que a medida de prisão domiciliar outorgada ao líder opositor venezuelano tenha sido negociada.
"Não houve negociação para que Leopoldo estja em casa. Foi uma en decisão unilateral do governo de Nicolás Maduro. Não se negocia a liberdade, os direitos humanos, a dignidade, jamais", declarou Tintori à imprensa.
"Era urgente uma medida assim, porque não garantiam a vida de Leopoldo em Ramo Verde", acrescentou Tintoti.
Tintori agradeceu as negociações a favor de López pelo ex-presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, que mediou no ano passado um diálogo fracassado entre governo e oposição.
"Podemos dizer que o presidente Zapatero conseguiu empurrar esta medida e, como família, o agradecemos e acho que o país deve agradecer qualquer ajuda internacional", expressou.
- 'Ninguém oferece a própria cabeça' -
Ainda que analistas estimem que está cedo para medir o impacto da decisão, o governo cedeu ao tirar das grades quem ele acusa de "monstro". López aceitou a prisão domiciliar apesar de ter dito que só sairia com liberdade plena e após a libertação de todos os opositores presos.
Sua soltura acontece após três meses de esforços do ex-presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, que mediou, no ano passado, uma fracassada negociação entre governo e oposição.
Em comunicado, Rodríguez Zapatero defendeu que esse passo permitirá avançar para a paz e a convivência democrática" e que se intensifiquem os esforços na busca de soluções
A saída de López da prisão foi celebrada por governos da América Latina, Espanha e Estados Unidos. Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), duro crítico de Maduro, vê nisso uma oportunidade de reconciliação e uma "saída democrática".
Maduro, que acusa a oposição de promover a violência em protestos para dar um golpe de Estado, disse esperar que os opositores aceitem dialogar e que López "passe uma mensagem de reparação e de paz" .
"O governo pode estar interessado em reduzir a tensão porque a situação política atual representa riscos, como uma ruptura no setor militar, mas ninguém oferece a própria cabeça voluntariamente", opinou o analista Luis Vicente León.
"Sem dúvida, há uma oportunidade para a negociação, mas uma negociação que não é popular em nenhum dos extremos e que implica em concessões", advertiu León.

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