Rússia se aproxima da Coreia do Norte



Apesar das sanções internacionais contra o regime comunista, Moscou aumenta exportações para Pyongyang, preenchendo o vácuo deixado pela China. Comércio bilateral cresceu mais de 85% nos primeiros meses do ano.

Apesar dos esforços das Nações Unidas para impor sanções ao regime norte-coreano, em resposta ao contínuo desenvolvimento de armas nucleares e mísseis balísticos intercontinentais, o comércio entre a Rússia e Coreia do Norte cresceu mais de 85% nos primeiros três meses do ano.
Citando dados aduaneiros russos, a emissora Voice of America relatou que o comércio bilateral subiu para 31,83 milhões de dólares no trimestre de janeiro a março. Produtos de energia compõem a grande maioria das exportações russas para a Coreia do Norte.
Isso inclui 22 milhões de dólares em carvão, lignito no valor de cerca de 4,7 milhões de dólares, e petróleo, em valor estimado em 1,2 milhão de dólares. Já as exportações norte-coreanas para a Rússia foram estimadas em 420 mil dólares. As exportações mais significativas foram de produtos químicos e – curiosamente – instrumentos de sopro.
Em contraste, o comércio da Coreia do Norte com a China, tradicionalmente o mais importante parceiro econômico, despencou. As exportações de carvão de Pyongyang para a China em março chegaram a 6.342 toneladas, uma fração do 1,44 milhão de toneladas enviadas para a China em janeiro, com valor estimado de 126,39 milhões de dólares.
Da mesma forma, Pequim interrompeu o abastecimento de óleo combustível, criticamente necessário para a Coreia do Norte, em uma clara demonstração de descontentamento da China com os testes de armas em curso da Coreia do Norte.
A divulgação das estatísticas detalhando o crescimento do volume de comércio da Rússia com a Coreia do Norte coincide com a declaração do presidente Vladimir Putin de segunda-feira (15/05). Ela afirmou que o mais recente lançamento de mísseis de Pyongyang é "perigoso", mas que, deve-se "parar de intimidar a Coreia do Norte e encontrar uma solução pacífica para este problema."
James Brown, professor de relações internacionais do campus de Tóquio da Universidade Temple, acredita que parte do comércio transfronteiriço possa ser "oportunismo econômico", mas que a motivação, em grande parte, é geopolítica.
"A Rússia está muito preocupada com o isolamento da Coreia do Norte e considera que ele torna a situação perigosa, pelo fato de os EUA estarem tomando uma abordagem de confronto", avalia. "O ponto de vista de Moscou é que a pressão sobre a Coreia do Norte não funcionou e, na verdade, fez com que Pyongyang reaja, porque se sente ameaçado. Então, ao invés de isolamento, que não está funcionando, a Rússia está propondo colaboração."
Nova rota marítima
O exemplo mais recente deste suporte a Pyongyang é o plano de abrir uma rota entre a Coreia do Norte e o porto de Vladivostok, no extremo oriente russo, embora a proposta tenha sido adiada devido a fortes protestos do Japão.
Em 2014, a Rússia anunciou ter perdoado 10 bilhões de dólares da dívida de 11 bilhões de dólares da Coreia do Norte originada na era soviética, e que o restante 1 bilhão de dólares será investido de volta no país. Investidores russos também concordaram em injetar 25 bilhões de dólares no defasado sistema ferroviário norte-coreano e investir outro tanto em infraestrutura básica.

Os dois governos também anunciaram que a Rússia vai reconstruir a rede de energia norte-coreana, enquanto os dois países vão desenvolver o porto norte-coreano de Rason para embarcar as exportações de carvão russo.
No total, a Rússia planeja aumentar o comércio bilateral em quase dez vezes, para 1 bilhão de dólares em 2020, e isso parece não ter sido prejudicado pelas sanções mais recentes da ONU. Mas Putin também é motivado por preocupações de segurança no extremo oriente da Rússia, acredita Brown.
"Moscou sempre esteve preocupada se o sistema de mísseis de defesa que os EUA está implantando na região – o sistema Thaad na Coreia do Sul, e o Japão está discutindo para receber o sistema de defesa antimísseis Aegis – está mais voltado contra seus interesses do que contra os da Coreia do Norte", argumenta.
Daniel Pinkston, professor de relações internacionais no campus de Seul da Troy University, acredita que o Kremlin – que está em desacordo com a comunidade internacional sobre a Ucrânia e foi acusado de interferir em uma série de eleições, incluindo nos EUA e na França – pode estar forjando laços mais estreitos com Pyongyang para semear mais confusão entre os seus inimigos.
"Putin parece ter adotado uma tática de terra arrasada em relação à ordem internacional liberal. Então, qualquer coisa que sirva para minar instituições, como a Otan, a União Europeia ou a democracia em geral, vale a pena", diz Pinkston. "Ele tem a intenção de criar instabilidade de uma forma que sirva aos interesses russos e este tipo de guerra híbrida, de múltiplas frentes, serve para minar os EUA e seus aliados.

A Coreia do Norte se encaixa perfeitamente nessa agenda, porque causa problemas para Washington, mantém os EUA amarrados, drena seus recursos e provoca atrito com aliados na região."

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