Ordem liberal internacional está sendo atacada nos seus fundamentos, e mundo pode estar à beira de uma era pós-ocidental, afirma relatório lançado às vésperas do evento sobre segurança
O organizador da Conferência de Segurança de Munique, Wolfgang Ischinger, afirmou nesta segunda-feira (13/02) que a situação mundial atual é a de maior instabilidade desde a Segunda Guerra Mundial.
No relatório Post-Truth, Post-West, Post-Order?
(Pós-verdade, pós-Ocidente, pós-ordem?), Ischinger acentuou as ameaças à
ordem internacional, desde um vácuo de poder causado pela possível
saída dos Estados Unidos da cena mundial até a elevação dos riscos de
uma escalada militar.
"O ambiente de segurança internacional é
indiscutivelmente mais volátil hoje do que em qualquer outro momento
desde a Segunda Guerra Mundial. Alguns dos pilares mais fundamentais do
Ocidente e da ordem liberal internacional estão se enfraquecendo",
afirmou Ischinger, definindo o momento atual como iliberal.
Ele afirmou, ainda, que "podemos, então,
estar à beira de uma era pós-ocidental, na qual atores não ocidentais
estão moldando as relações internacionais, muitas vezes em paralelo ou
mesmo em detrimento precisamente dessas instâncias multilaterais que
formaram a base da ordem liberal internacional desde 1945". "Estamos
entrando num mundo pós-ordem?", questiona Ischinger.
O relatório, lançado às vésperas da
Conferência de Segurança de Munique, que ocorre no próximo fim de
semana, destaca ainda que a ascendência da retórica populista mudou
fundamentalmente o discurso da democracia liberal e os princípios que a
acompanham.
Trump: reequilíbrio significativo da ordem global
Se o referendo sobre a saída do Reino
Unido da União Europeia (UE) foi o catalisador de uma revisão das
relações internacionais, a eleição do republicano Donald Trump marcou
seu avanço definitivo.
Em seu discurso de posse, Trump professou
uma mudança histórica nas relações dos EUA com outros países,
prometendo que suas políticas – tanto domésticas quanto internacionais –
vão priorizar os interesses americanos. "A partir desse momento será os
Estados Unidos em primeiro lugar", afirmou.
Como lembra o relatório, Trump
não mencionou os conceitos democracia, liberdade e direitos humanos em
seu discurso de posse, em nítido contraste com seus antecessores. "Isso
não é um bom presságio para os valores liberais em todo o mundo",
afirma o relatório.
Desde então, a administração de Trump tem
promovido um reequilíbrio significativo da ordem global por meio de uma
miríade de manobras políticas, incluindo ignorar tradições diplomáticas
de longa data, fazer críticas fortes a aliados tradicionais dos EUA e
proibir a entrada no país de cidadãos de sete nações de maioria
muçulmana.
"Nada é verdade e tudo é possível"
Apesar de terem avançado na Europa
Ocidental depois da anexação ilegal da Crimeia pela Rússia, as "notícias
falsas" alcançaram seu pico durante a campanha eleitoral que deu a
vitória à Trump, em novembro.
A desinformação e sua capacidade de
influenciar as estruturas políticas e minar as narrativas dos meios de
comunicação tradicionais provaram ser um fenômeno pós-verdade de um
ambiente político criado por uma base interconectada de eleitores. Essa
situação tem claras repercussões sobre a segurança. "A principal ameaça é
que a confiança dos cidadãos na mídia e nos políticos pode continuar se
deteriorando, criando um círculo vicioso que ameaça a democracia
liberal", diz o relatório.
"É verdade que eles [os Estados]
não podem proibir as 'notícias falsas' ou introduzir 'agências da
verdade' sob o preço de se tornarem eles mesmos iliberais. Impedir que
haja um mundo 'pós-verdade', no qual 'nada é verdadeiro e tudo é
possível', é uma tarefa para a sociedade como um todo", acrescenta o
documento.
Síria: sem fim à vista
Desde o início do conflito na Síria, em
2011, mais de 300 mil pessoas foram mortas e metade da população do país
foi deslocada, de acordo com dados da ONU.
Apesar das numerosas tentativas de
garantir um cessar-fogo e impedir o aumento das hostilidades, o governo
sírio iniciou em 2016 uma campanha brutal, apoiada pela Rússia, para
recuperar a cidade de Aleppo. Como resultado, milhares de pessoas
morreram.
"Os principais atores ocidentais ficaram
de braços cruzados quando Aleppo caiu, observando o que um porta-voz da
ONU descreveu como um 'colapso total da humanidade'", afirma o
relatório.
O que começou com protestos pedindo a
saída do presidente Bashar al-Assad se transformou num longo conflito,
envolvendo atores domésticos, grupos militantes, países vizinhos e
potências mundiais, como Estados Unidos, Rússia, Irã e Arábia Saudita.
"Como numerosos atores estão interferindo
em crises na Síria e região, enquanto o Ocidente tenta de alguma forma
superar o problema, a era pós-Ocidental do Oriente Médio pode já ter
começado", diz o relatório.
O futuro do terrorismo
No ano passado, problemas de
segurança criados pelo conflito sírio se espalharam pela região e pelo
mundo, principalmente com a proliferação de ataques terroristas
inspirados no "Estado Islâmico" em nações ocidentais.
Do estado de emergência na França até
operações policiais na Alemanha, a resposta a atentados como os
de Berlim, Nice e Bruxelas foi desigual nos países da União Europeia, já
que os Estados-membros desenvolveram formas próprias de melhorar as
medidas de segurança.
De acordo com o relatório, é necessário
que a União Europeia aja como um bloco diante dos desafios apresentados
pela ameaça de radicalização e terrorismo. "Apenas com um reforço maior
da cooperação e competências antiterroristas da União Europeia, os
Estados europeus serão capazes de enfrentar o que provavelmente será um
desafio jihadista de longo prazo", afirma o relatório.
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