Segundo documentos liberados esta semana, americanos consideravam práticas repressivas da ditadura brasileira mais eficazes que as argentinas
Rodrigo Cavalheiro
Após apoiar o golpe que levou à última ditadura argentina (1976-1983), os EUA condenaram o uso sistemático de sequestros e desaparecimentos pelos militares para combater guerrilheiros, a ponto de verem o método do regime brasileiro como um “exemplo” a ser seguido pelo vizinho.
Em uma das 1.078 páginas sobre o tema liberadas por Washington esta semana, o uso de tribunais militares é citado em 1980 em uma lista de recomendações a serem dadas aos argentinos.
“Estimular o governo a pensar sobre alternativas à tática de desaparições. Acreditamos que o estabelecimento de um sistema efetivo de Justiça Militar pode ser a melhor resposta. Se os militares forem demovidos de sua crença de que a morte é a única punição razoável para terroristas, as Forças Armadas verão a vantagem de usar cortes militares.
Os brasileiros contaram com elas na sua bem-sucedida luta contra terroristas. Este exemplo deve ajudar a convencer os argentinos de que eles deveriam considerar essa alternativa”, diz o cabo diplomático enviado da Embaixada dos EUA em Buenos Aires ao Departamento de Estado.
O trecho faz parte da primeira leva de documentos que os EUA prometem liberar até 2017, compromisso assumido por Barack Obama com Mauricio Macri em visita em março. O presidente argentino é alvo frequente de grupos de direitos humanos, que consideram o julgamento de centenas de torturadores um legado do kirchnerismo que estaria sob ameaça.
As correspondências diplomáticas foram escritas entre 1977 e 1980, no governo de Jimmy Carter (1977-1981), reconhecido por sua tentativa de frear a repressão. Obama disse em sua visita que seu país tinha “a responsabilidade de enfrentar o passado com honestidade e transparência”.
“Ainda é cedo para afirmar se só se divulgará o que interessa aos americanos. É um fato que Carter tentou interceder pelos presos, mas esperamos ver os relatos diários da CIA ao presidente e documentos do FBI e do Exército”, disse ao Estado Luz Palmás Zaldúa, coordenadora da equipe de memória e justiça do Centro de Estudos Legais e Sociais, ONG que trabalha desde 1979 no tema.
Em 2002, 4,6 mil documentos do Departamento de Estado americano foram divulgados numa negociação iniciada entre os governos de Fernando de la Rúa e Bill Clinton. Naquele lote, descobriu-se que Kissinger tinha dito, em 1976, ao almirante argentino César Guzzetti a frase “quanto mais rápido tenham êxito, melhor”. Cogitou-se que o democrata Clinton tivesse interesse em expor o apoio do republicano Kissinger ao golpe.
Sobre a sugestão americana para que os argentinos adotassem o método de repressão brasileiro, Luz lembra que os desaparecimentos – 30 mil, segundo dados oficiais – foram uma marca do regime argentino. “Foram aplicados aqui de maneira massiva, enquanto em outros lugares assassinatos e prisões políticas foram formas de repressão mais comuns”, avalia.
Na divulgação, segunda-feira, o secretário de direitos humanos argentino, Claudio Avruj, citou as tentativas de Carter de convencer o ditador Jorge Videla (1977-1981) a libertar presos políticos. Da parte dos argentinos, havia uma busca por estreitar relações. Outra preocupação americana era a resistência dos argentinos em permitir vistorias a seu programa nuclear, considerado em um dos documentos “o mais avançado da América Latina”.
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