O que levou atirador investigado pelo FBI a ter porte de fuzil








Como Omar Mateen, autor do massacre de Orlando, conseguiu autorizações legais para comprar e portar armas mesmo tendo sido investigado duas vezes pelo FBI (polícia federal americana) e respondido a processo por violência doméstica?
Essa pergunta tem permeado os debates em torno do maior massacre a tiros da história recente dos Estados Unidos.
Mateen, que foi morto em confronto com policiais, era descrito como violento, mas trabalhava em uma empresa de segurança. Era funcionário desde 2007 da multinacional G4S, que presta serviços em mais de 20 centros de detenção juvenil da Flórida.
Aos 29 anos, o filho de afegãos havia sido investigado pelo FBI pela primeira vez em 2013, quando comentou com colegas ter supostos vínculos com terroristas, segundo afirmou Ronald Hopper, agente especial da polícia federal americana.
"O FBI investigou o assunto com cuidado, fez entrevistas com testemunhas, o vigiou e revisou seu histórico criminal", disse o Hopper. Mateen foi interrogado duas vezes. "No fim, não foi possível verificar a fundo seus comentários, e a investigação foi encerrada."
Nesta segunda-feira, o diretor do FBI, James Comey, relatou que ele havia feito afirmações "inflamadas e contraditórias" - dizendo inclusive ter conexões com a Al-Qaeda e o Hezbollah, dois grupos diametricamente opostos.
À polícia, porém, o atirador argumentou que os comentários foram apenas uma reação a atos de discriminação por parte dos colegas. Após dez meses de apurações, o FBI encerrou o caso.


Oscar A. Aracena-Montero, 26, está entre os mortos no massacre que aconteceu na boate gay Pulse, em Orlando, na Flórida (EUA). Ele tinha voltado de uma viagem de férias, na qual visitou Nova York (EUA) e Canadá, um dia antes de ir à boate Pulse Imagem: Reprodução/Facebook/Reuters
A segunda investigação, um ano depois, começou porque Mateen frequentou a mesma mesquita que um homem-bomba.
Na ocasião, uma pessoa ouvida pela polícia afirmou que chegou a temer que ele tivesse se radicalizado, mas que as preocupações haviam se dissipado porque o rapaz tinha se casado e tido um filho recentemente.
O FBI acabou concluindo que o contato entre Mateen e Moner Mohammad Abusalha, um cidadão da Flórida que se juntou ao autoproclamado Estado Islâmico na Síria, tinha sido mínimo e não constituía ameaça.
Embora estivesse no radar do FBI, Mateen não estava na lista oficial de pessoas suspeitas de ligação com o extremismo, e, por isso, era legalmente apto a obter licença para portar armas, de acordo com os registros da Flórida.
Após o ataque à boate Pulse, os agentes americanos agora investigam se ele realmente tinha laços com extremistas islâmicos - antes ou durante o atentado, ele ligou para o serviço de emergência jurando lealdade ao Estado Islâmico.
Além das suspeitas do FBI, Mateen respondeu na Justiça por episódios de violência doméstica contra sua então mulher, Sitora Yusufiy, com quem esteve casado entre 2009 e 2011. Ela disse ter apanhado dele em diversas ocasiões.
Um ex-colega de trabalho, Daniel Gilroy, disse à imprensa americana que o atirador "falava em matar gente" e tinha comportamento intolerante.
Gilroy disse ter se queixado à empresa em que trabalhavam - a G4S afirmou que os antecedentes de Mateen foram verificados antes de sua contratação, em 2007.

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A questão das armas

Mesmo sendo alvo de investigações, Mateen tinha a licença D2723758, que autorizava a possuir armas. Ela expiraria apenas em 14 de setembro de 2017, segundo registros do Departamento de Agricultura e Serviços do Consumidor da Flórida - o Estado americano com a maior porcentagem de civis armados.
Segundo a Gunpolicy, uma organização especializada política de armamentos, 51,2% das residências da Flórida têm ao menos uma arma de fogo.
Só no ano passado, 885 mil armas foram vendidas para pessoas físicas, de acordo com dados do governo do Estado - 109 mil a mais que no ano anterior.
O direito de portar armas é garantido nos Estados Unidos pela Segunda Emenda da Constituição, que vigora desde dezembro de 1791.
A GunPolicy e outras organizações que estudam o tema estimam que haja 270 milhões de armas nas mãos de civis no país. A população americana é de cerca de 316 milhões de habitantes.
A Lei Nacional de Armas regula o comércio, o porte e o uso de armas na esfera federal, mas cada Estado tem legislações específicas sobre o tema.
A GunPolicy classifica a legislação da Flórida como "permissiva" - ela foi aprovada em 1987 e revista em julho de 2012, quando a compra de armamento foi facilitada e os custos da burocracia para obter o porte de arma, reduzidos.
A legislação determina que civis não podem possuir metralhadoras e armas automáticas fabricadas antes de 19 de maio de 1986. Mas eles podem adquirir armas semiautomáticas - como por exemplo revólveres, pistolas, fuzis e munições (inclusive de calibres pesados, como o 0.50).
Não é preciso ter licença para praticar tiro ao alvo. Portar uma arma o tempo todo, porém, demanda uma autorização especial: para consegui-la, é necessário apresentar uma justificativa - como estar com a vida ameaçada ou trabalhar com transporte de dinheiro ou documentos importantes.

Fuzil AR-15

Marteen tinha licença para ter um fuzil AR-15 por trabalhar na área de segurança. Além dessa arma, ele possuía uma pistola e "uma quantidade desconhecida de munição", segundo afirmou o chefe de polícia John Mina logo após o ataque à boate Pulse.
O AR-15 foi o mesmo fuzil utilizado para matar estudantes do colégio de Sandy Hook, em Connecticut, em 2012, espectadores que assistiam a um filme do Batman em um cinema do Colorado no mesmo ano e pessoas que estavam em um centro comunitário de San Bernardino, na Califórnia, em dezembro passado.
A arma também é bastante popular entre traficantes de drogas que operam no México, segundo a Procuradoria-Geral do país.
"Como alguém com esse histórico, depois de ter sido interrogado pelo FBI três vezes por possíveis vínculos terroristas e ser acusado de violência doméstica pela ex-mulher, pode ter uma arma de assalto?", questionou o parlamentar William R. Keating, do Partido Democrata.

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