Os descendentes dos primeiros exilados e os que chegam agora da ilha defendem mais abertura e novos laços com o regime dos Castro. Mas o lobby cubano em Washington é poderoso.
As primeiras gerações de exilados cubanos nos Estados Unidos aguentaram-se durante mais de cinquenta anos como o pilar que sustentou as políticas punitivas contra o regime muito para além da queda da União Soviética e o fim da Guerra Fria. A grande máquina política que construíram em Washington é ainda hoje um dos principais entraves ao reatar de laços com um regime que em muitos casos os maltratou, aprisionou, expropriou e expulsou. Vêem a reaproximação a Cuba como um presente aos irmãos Castro e pensam o mesmo da histórica visita de Barack Obama.“Tenho vergonha do nosso Presidente”, protestava Gloria Argudin no domingo enquanto percorria as ruas de Little Havana, o coração da comunidade cubana em Miami. Ao seu lado marchavam mais de 200 pessoas, muitas com histórias semelhantes à sua e todas contra a ideia de Obama apertar a mão a Raúl Castro. Gloria foi perseguida pelo seu irmão, Fidel, antes de fugir para a Florida, como centenas de milhares de cubanos depois da revolução de 1959. “Fui detida em Cuba por não apoiar Fidel. Não perdi a força de lutar por nada. Por favor lutem comigo por uma Cuba livre!”, pedia, citada pelo jornal Miami Herald.
A maioria dos cubanos que, como Gloria, procuraram asilo nos Estados Unidos durante as décadas de 60 e 70 acredita que é crucial preservar o isolamento diplomático e económico do regime até que isso force uma reforma política. “É uma espécie de retribuição pessoal pelas perdas sofridas”, argumenta o Washington Post. “Muitos acompanham as notícias de Cuba com tanta dedicação como a que dão à previsão do tempo”, explica, num retrato da comunidade cubana em Miami, onde vive 70% dos dois milhões de cubanos no país. “As histórias de dissidentes agredidos ou detidos entram no diálogo regular.”
As vozes dos primeiros exilados são algumas das mais audíveis no diálogo nacional sobre Cuba, mas já não reflectem as da sua comunidade. As sondagens mais recentes revelam que a maioria dos cubanos-americanos apoia o reatar de laços com o regime, como acontece com o resto dos norte-americanos. De acordo com a última contagem da agência Bendixen & Amandi, de Dezembro de 2015, um ano depois de Obama anunciar a reabertura da embaixada norte-americana em Cuba, 56% da população cubana disse apoiar a reaproximação, contra apenas 36% que afirmaram o contrário. Esta segunda-feira, o New York Times e a estação CBS revelaram que 58% de todos os americanos aprovam a estratégia da Casa Branca e que só 25% se opõem a ela.
As novas gerações de cubanos-americanos já não se revêm na oposição ideológica dos seus pais e avós, severamente marcados pela sua experiência de repressão. O cisma é profundo: de acordo com a Universidade da Florida — que acompanha há vários anos a opinião da comunidade em Miami —, só uma pequena maioria dos cubanos chegados entre 1965 e 1980 é contra relações melhoradas com o regime, mas 65% dos que entraram entre 1981 e 1994 e 80% dos que partiram entre 95 e 2014 preferem novos laços. Como escreve a revista Atlantic: “Historicamente, a divisão faz-se entre os que chegam como exilados políticos no rescaldo da revolução de [Fidel] Castro e os que chegaram nas últimas décadas por razões económicas, muitos dos quais não partilham a educação política ou cívica dos exilados.”
Lobby poderoso
O impacto da nova demografia não chegou ainda a Washington ou à maioria republicana que controla o Congresso e promete travar qualquer tentativa de terminar o embargo comercial a Cuba. Isto deve-se sobretudo ao poderoso lobby anti-Castro, patrocinado por um grupo insistente de cubanos de Miami que se concentra apenas “num punhado de políticos”, como escreve a Bloomberg. “A chave da operação é que do outro lado não há um grupo de interesses dedicado a promover a normalização das relações com Cuba.”
O esquema de pressão política dos cubanos em Washington foi de tal maneira eficaz que acabou por ser copiado por outros grupos poderosos, como os lobbies de apoio a Israel e a NRA — National Rifle Association, a mais consequente opositora a novas regras de controlo de armas nos Estados Unidos. Mesmo alguns destacados republicanos em Miami começaram a demonstrar publicamente a sua frustração com o bloqueio político no Congresso.
É o caso de Mike Fernandez, republicano que nasceu em Cuba, viveu quase toda a vida em Miami e defende o fim do embargo. Há uma semana, Obama chamou Fernandez à Casa Branca para o consultar sobre relações comerciais com Cuba, como fez com vários líderes cubanos nos Estados Unidos — isto apesar de Fernandez dizer que a única coisa que lhe agradou nos dois mandatos do Presidente foi a morte de Osama bin Laden. “Aqui estamos: passaram-se quase 60 anos e ainda não chegámos a um acordo por causa de três ou quatro congressistas muito activos”, argumenta à revista Politico. “Conseguem ser eleitos recordando aos meus pais e outras pessoas mais velhas os piores dias das suas vidas. Estes tipos não fazem comércio de esperança.”
Em Havana, Barack Obama defendeu a ideia de que é uma questão de tempo até o Congresso norte-americano aprovar o fim do embargo. A mudança deve acontecer por pressão de uma comunidade cubana que cada vez defende menos as medidas punitivas promovidas pelas gerações mais velhas — na Florida, estado que pode pender para democratas ou republicanos em votações presidenciais, este eleitorado é importante. Mesmo os mais velhos começam a mudar de opinião. O jornalista Joshua Alvarez aponta como sinal o apoio das primeiras gerações de exilados cubanos a Donald Trump nas primárias republicanas da Florida — apesar de este defender uma nova estratégia para Cuba. “Para um velho conhecedor das políticas conservadoras cubanas-americanas é o mesmo que ver a água mudar de curso”, escreveu na Atlantic.
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