"Não temos esperança", diz jovem muçulmano da periferia de Paris








Homem olha para sede da prefeitura de Saint-Denis, no norte de Paris, com cartaz que diz: "A melhor resposta à barbárie é lidarmos juntos"
Homem olha para sede da prefeitura de Saint-Denis, no norte de Paris, com cartaz que diz: "A melhor resposta à barbárie é lidarmos juntos"
Amina (nome fictício) não usava um véu islâmico, mas saia justa, salto alto e maquiagem, quando foi chamada de "árabe nojenta" no metrô parisiense.
Franco-argelina, filha de pais que só falavam árabe dentro de casa, ela ascendeu à chefia de um organismo internacional, que representa em reuniões ao redor do mundo. Por isso, pediu anonimato ao falar com o UOL, após os ataques terroristas de 13 de novembro de 2015 em Paris.
"Vivemos um momento em que todos desconfiam de todos, em que todos se olham com o rabo do olho. Para mim, a radicalização se espalhou pela sociedade francesa", diz Amina, 35, empregando o termo usado pelas autoridades francesas para descrever os jovens muçulmanos que aderiram ao extremismo.
"Quando se chega ao ponto em que não se pode confiar no próprio vizinho, naquele com quem se convive no cotidiano, isso não pode acabar bem."
Muçulmanos franceses temem que os atentados de 2015 em Paris tenham um efeito bumerangue contra a comunidade, aumento a estigmatização e as agressões. Grande parte deles, de origem norte africana, mora em bairros pobres da periferia da capital francesa, as chamadas "banlieues", com acesso precário a educação e empregos.
Dados da Delegação Interministerial de Luta contra o Racismo e o Anti-Semitismo (Dilcra) mostram que atos contra muçulmanos em razão de sua religião triplicaram em 2015 na França, superando a marca dos 400. Havia sido 133 em 2014, segundo publicou o "Le Parisien".
Os dois principais terroristas por trás do ataque ao "Charlie" foram os irmãos Saïd Kouachi e Chérif Kouachi, franceses de origem argelina moradores do surbúrbio de Saint- Denis.
Dois terroristas do Bataclan também eram franceses de "banlieues": Omar Ismail Mostefai, de Courcouronnes, e Samir Amimour, de Drancy. O suposto mentor dos ataques, Abdelhamid Abaaoud, se escondia em Saint-Denis, onde foi morto em uma operação da polícia.
Membros da comunidade judaica também não se sentem seguros no país.
Dona da maior comunidade judaica da Europa, com quase meio milhão de pessoas, a França vive uma onda antissemita que tem provocado um êxodo de judeus franceses em direção a Israel. O número aumentou de 2.000 em 2012 para 7.000 em 2014, devendo fechar 2015 em 9.000.
"A culpa não é da religião muçulmana, mas da má utilização dessa religião pelos terroristas. Me solidarizo com todos os muçulmanos que não fazem parte desse amálgama; não é fácil, hoje em dia, assumir-se muçulmano", disse Nehama Saadoum, cujo pai foi esfaqueado em um ataque antissemita em Marselha, no sul da França, dias após os atentados de 13 de novembro em Paris.

Carolina Vila-Nova/UOL
Jovem muçulmana passa diante da Basílica de Saint-Denis

Sem esperança

O UOL esteve em Saint-Denis, no norte de Paris, dias após a operação que matou Abaaoud. Diante da prefeitura local, um cartaz dizia "A melhor resposta à barbárie é lidarmos juntos". 
Muitos jovens perambulam em grupo pela praça central. Arredios e desconfiados, não querem dar entrevista.
Mohamed, 20, topa falar, com nome falso e sem foto. Ele largou a escola e está desempregado. "As escolas não prestam, não tem emprego aqui", disse. "Não temos esperança."
Estudos mostram que um sobrenome "étnico" (árabe ou africano) e um CEP indicando residência em uma "banlieue" problemática dificultam em muito a obtenção de emprego.
Para líderes muçulmanos moderados, eles acabam sendo atraídos para chamadas "mesquitas subterrâneas", onde extremistas se encontrariam.
"Se eles [os jovens] tivessem trabalho ou escola, eles não seriam atraídos, não sofreriam essa lavagem cerebral", disse Jaafar Rebaa, vice-presidente da mesquita de Drancy, considerada moderada, em declarações a meios de imprensa.
Hassina Boukellal, 40, concorda. Filha de argelinos e moradora da "banlieue" de Champigny sur Marne, ela hoje trabalha dando aulas de reforço para alunos de até 15 anos com dificuldades para acompanhar a escola.
"Esses são jovens perdidos, que de repente se veem valorizados [pelos extremistas] e ganham uma função. Têm um problema de identificação com a França e passam muito facilmente à rejeição ao país", afirma Hassina. "Mas temos de pensar que os que se radicalizam são uma minoria, são casos isolados."
"Às vezes eles começam como olheiros e vão passando para atividades mais complexas. Num dia, ganham 1.000 euros para levar tal coisa a tal lugar, um dinheiro que nuca viram e nunca veriam na vida", acrescentou Jean-Claude Alves, que é marido de Hassina e também trabalha com alunos com problemas de integração.
"O grande erro de Hollande [o presidente francês, François Hollande] foi atacar a Síria. Isso deu aos extremistas ainda mais oportunidade de atrair esses jovens, fazendo com que eles usem sua revolta contra a Europa", avalia Alves.

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