Relatório mostra que vendas subiram novamente neste ano, especialmente as de armamento de pequeno porte para países fora da Otan. Críticos associam incremento no comércio bélico a aumento do fluxo de refugiados
Combatentes peshmerga no norte do Iraque também receberam armas alemãs
Apesar de ter prometido conter a
exportação de armas, o governo alemão ainda está lutando para largar seu
vício pelo lucro com a guerra. O último relatório de exportação de
armas, divulgado pelo governo nesta quarta-feira (21/10), mostrou que o
volume da venda de armas da Alemanha saltou de 2,2 bilhões de euros no
primeiro semestre de 2014 para 3,5 bilhões de euros na primeira metade
de 2015. A Alemanha continua a ser o quarto maior exportador de armas do
mundo, atrás de Estados Unidos, Rússia e China.
Na quarta-feira, funcionários do
Ministério da Economia argumentaram que a nova estatística foi
distorcida por alguns grandes negócios com parceiros confiáveis de longa
data – como a venda de um submarino para Israel e de quatro
aviões-tanque para o Reino Unido – e que estes contratos foram fechados
antes da posse do atual ministro da Economia, Sigmar Gabriel.
Através de comunicado, o Ministério da
Economia também fez questão de destacar os montantes globais das armas
de pequeno porte, que ativistas antiarmas acusam de causar 19 entre 20
mortes em conflitos em todo o mundo. Estas vendas caíram
significativamente – de 21,3 milhões de euros no primeiro semestre de
2014 para 12,4 milhões de euros no mesmo período deste ano.
"Elas caíram quase pela metade e estão no
nível mais baixo em 15 anos", ressaltou o texto. Gabriel já havia
previamente ressaltado sua intenção de diminuir as vendas de armas da
Alemanha, especialmente para países que estão em guerra ou onde há
violações dos direitos humanos.
Mas, de acordo com o respeitado ativista
antiarmas alemão Jürgen Grässlin, essa é apenas uma tentativa de
confundir. Ele sublinhou que o submarino para Israel só foi responsável
por 400 milhões de um total de 3,5 bilhões de euros. "Não são apenas
contratos antigos", acusa, afirmando que está cansado da desculpa de
"velhos contratos". "São contratos novos", insiste.
"As exportações de armas duplicaram entre
2013 e 2014 sob Sigmar Gabriel, e ele disse na época que isso tinha
sido uma exceção e se devia a antigos contratos", ressalta Grässlin, em
entrevista à DW. "Mas ele não tem que honrar estes contratos. A lei
alemã de controle de armas certamente permite que contratos sejam
rescindidos. Isso já aconteceu no caso de uma instalação para teste de
armas para a Rússia."
Mais vendas para fora da UE
Funcionários do governo insistiram que,
apesar do aumento no todo, os números reais mostram uma diminuição da
exportação das armas mais perigosas. "Se você analisar o relatório mais
atentamente, ficará claro que a soma total por si só não é um critério
adequado para uma determinada política de exportação de armas", disse o
secretário adjunto Matthias Machnig, na declaração do Ministério da
Economia. "Muito mais importante é o tipo de equipamento militar
aprovado, o seu uso, e o país para onde este é realmente exportado.
Neste ponto, o governo implementa controles estritos sobre casos
individuais."
Mas uma estatística do relatório não
mencionada na declaração de imprensa derruba o suposto escrúpulo do
ministério alemão a respeito das armas de pequeno porte. Uma análise
mais cuidadosa revela que, enquanto o valor das vendas globais de armas
leves, de fato, caiu substancialmente (de 21,3 milhões de euros para
12,4 milhões de euros), o valor dessas vendas para os chamados "Estados
terceiros" (em outras palavras, países que não pertencem nem à Otan nem à
UE) mais do que triplicou (de 1,4 milhão de euros para 5,7 milhões de
euros). "Este é o maior escândalo de todos", alerta Grässlin. "Isto é
uma catástrofe."
Em outras palavras, países do Oriente Médio, América do Sul, África e Leste Asiático que ou estão envolvidos em conflitos ou têm registros de problemas com direitos humanos estão recebendo uma avalanche de rifles, revólveres e outras armas alemãs de pequeno porte.
Em outras palavras, países do Oriente Médio, América do Sul, África e Leste Asiático que ou estão envolvidos em conflitos ou têm registros de problemas com direitos humanos estão recebendo uma avalanche de rifles, revólveres e outras armas alemãs de pequeno porte.
No primeiro semestre deste ano, a
Alemanha vendeu armas ou munições para Iraque, Kuwait, Jordânia, Líbano,
Mali, Chile, Índia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos (entre outros).
Sem falar em veículos militares, navios e outros grandes equipamentos
bélicos vendidos, para Arábia Saudita, Argélia, Rússia, China e Israel –
todos eles ou estão envolvidos em conflitos ou têm violações dos
direitos humanos amplamente denunciadas.
Políticos da oposição se apressaram em
sublinhar a contradição entre a declaração de imprensa do ministério e
seu relatório. A porta-voz do Partido Verde para política de segurança
Agnieszka Brugger condenou os "sermões e promessas de domingo" de
Gabriel sobre exportações de armas.
"Enquanto ele vende seus aparentemente
rigorosos princípios em relação a armas pequenas, houve, em contraste
flagrante, um dramático aumento nas exportações aprovadas de armas leves
e munições para os Estados fora da Otan e da UE ", acusou, em
comunicado. "Mais uma vez, o governo subordina os direitos humanos e os
perigos para a segurança aos interesses de empresas individuais."
Grässlin vê uma conexão óbvia entre essas vendas de armas e as pessoas que fogem de zonas de conflito para a Alemanha e a Europa. "Se você olhar para onde exportamos armas tradicionalmente, então, os destinatários principais da exportação alemã de armas são os estados do Magrebe, e depois, Israel e seus inimigos – Arábia Saudita, Egito e Turquia – e agora podemos adicionar o norte do Iraque", diz. "Isso significa que estamos exportando tanto para regiões em crise, quanto para Estados em que há violações dos direitos humanos, para países em guerra e para ditaduras guerra. Todos eles situados relativamente próximos e hostis entre si."
Grässlin vê uma conexão óbvia entre essas vendas de armas e as pessoas que fogem de zonas de conflito para a Alemanha e a Europa. "Se você olhar para onde exportamos armas tradicionalmente, então, os destinatários principais da exportação alemã de armas são os estados do Magrebe, e depois, Israel e seus inimigos – Arábia Saudita, Egito e Turquia – e agora podemos adicionar o norte do Iraque", diz. "Isso significa que estamos exportando tanto para regiões em crise, quanto para Estados em que há violações dos direitos humanos, para países em guerra e para ditaduras guerra. Todos eles situados relativamente próximos e hostis entre si."
Claro, nem tudo é culpa da Alemanha.
Afinal de contas, Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido
também exportam armas para o Oriente Médio, apoiando lados diferentes.
"Olhe para a Síria. Lá, os russos estão apoiando Assad, os americanos
estão fornecendo armas aos rebeldes que lutam contra Assad, e os alemães
estão fornecendo armas aos peshmerga", lembra Grässlin.
A Síria tem sido, tradicionalmente, um
dos maiores compradores de armas. De acordo com a ONG Campanha contra o
Comércio de Armas (CAAT, na sigla em inglês), a Alemanha exportou cerca
de 13 milhões de euros em armas para a Síria entre 2002 e 2013 –
principalmente tanques, agentes químicos e armas de pequeno porte.
Em 2014, a Alemanha também exportou 8 mil
rifles de assalto Heckler & Koch G36 e G3 aos combatentes curdos na
Síria, os chamados peshmerga. "E agora nós estamos surpresos que estas
armas estejam sendo usadas", ironiza Grässlin. "E as pessoas fogem do
uso dessas armas e dos ditadores, e elas acabam chegando, por mais
absurdo que isso seja, no país onde foram produzidas as armas que foram
usadas para reprimir o povo delas. É por isso que eu digo: se você
semeia armas de guerra, você colhe refugiados de guerra.
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