A Rússia emitiu uma forte advertência contra uma possível intervenção militar dos EUA na Venezuela, afirmando que isto abriria "uma grande crise internacional" com "consequências devastadoras para a região e para a segurança mundial".
O posicionamento foi demarcado pelo embaixador adjunto russo na Organização das Nações Unidas (ONU), Dmitry Polyanskiy, em entrevista à BBC News Mundo, na qual falou da crise venezuelana - que cada vez mais explicita a rivalidade entre Moscou e Washington.
Os Estados Unidos apoiam os esforços da oposição venezuelana, liderada por Juan Guaidó, para derrubar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Washington insiste que todas as opções, inclusive as militares, estão na mesa. Já a Rússia é uma aliada fundamental para Maduro, dando assistência militar no âmbito de acordos bilaterais e apoiando Caracas no jogo internacional - no Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, a representação russa defendeu Maduro como presidente legítimo da Venezuela.
O país sul-americano foi assunto de uma conversa telefônica neste mês entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e seu colega russo, Vladimir Putin. A pauta deve estar também na visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Moscou, que começou na segunda-feira, 13.
O posicionamento foi demarcado pelo embaixador adjunto russo na Organização das Nações Unidas (ONU), Dmitry Polyanskiy, em entrevista à BBC News Mundo, na qual falou da crise venezuelana - que cada vez mais explicita a rivalidade entre Moscou e Washington.
Os Estados Unidos apoiam os esforços da oposição venezuelana, liderada por Juan Guaidó, para derrubar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Washington insiste que todas as opções, inclusive as militares, estão na mesa. Já a Rússia é uma aliada fundamental para Maduro, dando assistência militar no âmbito de acordos bilaterais e apoiando Caracas no jogo internacional - no Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, a representação russa defendeu Maduro como presidente legítimo da Venezuela.
O país sul-americano foi assunto de uma conversa telefônica neste mês entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e seu colega russo, Vladimir Putin. A pauta deve estar também na visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Moscou, que começou na segunda-feira, 13.
Maduro "tem tempo até as próximas eleições", diz Polyanskiy. Seu mandato é de "seis anos de acordo com a Constituição, por isso não há pressa", acrescenta, em contraste com aqueles que exigem eleições antecipadas no país.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista da BBC News Mundo com Polyanskiy, realizada na sede da missão diplomática russa na ONU em Nova York.
BBC News Mundo - Por que a Rússia apóia o presidente Maduro na Venezuela?
Dmitry Polyanskiy - Esta não é uma descrição muito precisa da nossa posição; eu não diria que apoiamos o presidente Maduro na Venezuela. Apoiamos o direito internacional e o princípio de não interferência nos assuntos internos de outros Estados.
O presidente Maduro é o único presidente eleito da Venezuela de acordo com a lei venezuelana e é por isso que o apoiamos. Entendemos também que Guaidó é o líder da Assembleia Nacional (o Legislativo venezuelano), tem alguma legitimidade como líder da Assembleia Nacional, mas não como presidente da Venezuela. É por isso que não temos outro interlocutor como presidente que não o presidente Maduro na Venezuela neste momento.
Não estamos sozinhos. Há muitos países que não compartilham as abordagens e políticas dos Estados Unidos e seus aliados sobre este assunto.
BBC - Você vê a Venezuela como uma democracia ou um regime totalitário, como outros países consideram?
Polyanskiy - Não vemos razão para considerá-la um regime totalitário. Houve eleições, Maduro foi eleito no ano passado. Algumas pessoas afirmam que as eleições não foram livres e justas. Mas há críticas a qualquer eleição no mundo e sabemos as circunstâncias em que essas eleições foram realizadas.
Alguns países, incluindo primeiramente os EUA, desencorajaram os líderes da oposição a participar do pleito e depois disseram que as eleições não foram livres e justas porque estes líderes da oposição não participaram. Não vejo nenhuma lógica nisso.
BBC - Não só existem inquietudes sobre as últimas eleições na Venezuela, mas também relatos de violações aos direitos humanos no país: tortura, perseguição a opositores políticos... Como a Rússia encara estes relatos?
Polyanskiy - Mais uma vez, existem muitas situações que não aprovaríamos em muitos países do mundo. Algumas pessoas questionariam meu país por muitas coisas. Nós confrontamos os Estados Unidos com muitas coisas, também em termos de democracia, de estado de direito. Há muitas críticas à França no contexto das manifestações dos "coletes amarelos". Mas isso não priva o país de legitimidade.
Cada país tem seu próprio sistema, suas próprias leis.
A Venezuela tem sua própria Constituição e não vemos nenhuma violação a ela no que acontece no país internamente. Apenas vemos violações desta Constituição nos atos daqueles que se declaram presidentes e reivindicam a autoridade de presidente legítimo da Venezuela.
BBC - Um dos propósitos da ONU é promover os direitos humanos no mundo. Você é um representante da Rússia, um país importante na ONU. E a Venezuela é um país onde até para os padrões da ONU há violações dos direitos humanos. Isto provavelmente não é comparável a muitas democracias ocidentais...
Polyanskiy - Há muitas críticas dentro do Conselho de Direitos Humanos da ONU a muitos países, incluindo as chamadas democracias ocidentais. Isso não as priva de legitimidade. Mais uma vez, os países não são perfeitos.
Não há nenhum critério no mundo onde as alegações de abusos de direitos humanos sejam uma razão para reconhecer ou não um Estado. Isso está mais próximo do conceito ocidental de intervenção humanitária, que não é compartilhado no mundo todo. Talvez apenas nos EUA e em alguns países da União Europeia. Às vezes eles apóiam isso, quando é lucrativo para eles. Quando não é rentável, não há o apoio. Então, isso é uma espécie de ilusão, mas não é direito internacional.
Apoiamos o direito internacional e a Carta da ONU.
BBC - Não só os EUA, mas muitos países latino-americanos temem que a crise na Venezuela esteja se espalhando na região e que isso possa ser um fator de desestabilização. Milhões de venezuelanos estão migrando para fora do país devido à crise econômica. Você vê isso como um problema mais amplo na região?
Polyanskiy - Absolutamente, é um problema mais amplo na região. Mas a fonte do problema é, em primeiro lugar, os Estados Unidos. O responsável por essa crise está sentado mais na Casa Branca do que em Caracas.
Ninguém está dizendo que a situação econômica na Venezuela é perfeita. Mas existem países no mundo que também têm situações econômicas muito difíceis. A Venezuela é muito dependente dos preços do petróleo, muito turbulentos nos últimos anos. Algumas pessoas criticam as políticas econômicas da Venezuela, mas esta é uma discussão acadêmica e não tem nada a ver com o direito internacional.
Você não pode gritar que há uma crise no país e, por outro lado, agarrar este país pela nuca, sufocando-o, roubando seu dinheiro em bancos americanos e britânicos, privando-o da oportunidade de comprar remédios e qualquer outra coisa. Não pode ser ignorado que esta crise é agravada pelas ações de Washington e seus aliados.
BBC - Mas já havia na Venezuela uma crise antes das sanções dos EUA, não só em termos econômicos, mas também uma crise política...
Polyanskiy - Este não é o único país com uma crise política. Existem países em crises políticas permanentes. Os EUA estão em crise política desde a eleição do presidente Trump. E daí?
Este é um tipo de chantagem e sufocamento do país por parte dos Estados Unidos e seus aliados. E não se pode dizer que isso não afete a situação econômica: afeta muito. E é ilegítimo.
BBC - Alguns representantes da ONU dizem que a preocupação da Rússia com a Venezuela não se deve à Venezuela, mas ao temor de que ela não possa pagar todos os empréstimos que a Rússia vem concedendo. Qual é a sua resposta?
Polyanskiy - Não somos pessoas que fazem tudo por dinheiro. Esperávamos que essas quantias fossem reembolsadas durante anos, por isso poderíamos esperar muito tempo. Não queremos recuperar esse dinheiro amanhã. Entendemos que todos precisam criar condições econômicas na Venezuela para devolver esse dinheiro.
E as quantias que você menciona são muito menores do que as somas que foram roubadas da Venezuela nos bancos americanos e britânicos, de todo modo.
Não estamos fazendo isso porque avaliamos que perderemos dinheiro. O dinheiro não é tudo neste mundo. Fazemos isso pela legalidade internacional, porque amanhã no lugar da Venezuela pode ser qualquer outro país. Pode ser o caso de países na região.
Quantas vezes os americanos levaram a cabo uma mudança de regime em diferentes partes do mundo, incluindo primeiro a América Latina? Por que nós ingenuamente acreditamos que desta vez seria diferente?
Especialmente quando eles têm Abrams (Elliott Abrams), agora responsável pelas políticas (americanas) na Venezuela. Ele já foi responsável pelas políticas na Nicarágua e esteve envolvido em muitos escândalos, se acreditarmos na mídia internacional. Então, ele é especialista em um tipo de operação bem diferente.
BBC - Você diz que é contra qualquer intervenção estrangeira na Venezuela. Mas alguns governos da região consideram que a Rússia já está interferindo na Venezuela...
Polyanskiy - Verdade? De que maneira?
BBC - Vimos, por exemplo, um par de aviões militares (russos) em março, com militares saindo. Isso foi tomado por alguns países da região como uma provocação no meio da crise. Qual é o propósito, não só dos dois aviões, mas de toda a cooperação militar entre a Rússia e a Venezuela?
Polyanskiy - A cooperação militar entre a Rússia e a Venezuela não começou em janeiro. Não há nada de novo. Não há um novo estágio em nossa cooperação militar. Antes, os americanos forneciam equipamentos militares e munição para a Venezuela, e então eles decidiram parar. E começamos a fazer isso há 15 anos, algo assim.
Claro, todas essas instalações, equipamentos, exigem supervisão regular e algum tipo de manutenção. Então, fazemos visitas regulares à Venezuela. Sim, houve aviões militares e cerca de 100 pessoas. Mas eles não eram soldados, eles não estavam armados. Eles são especialistas militares. Eles vão para a Venezuela regularmente e já fizeram isso antes, para manutenção.
BBC - Para a manutenção de quê?
Polyanskiy - Do equipamento militar da Venezuela. Vendemos muitos equipamentos militares para a Venezuela e esta é uma situação normal. Quando você vende produtos militares para outro país, existem obrigações contratuais para a manutenção desses equipamentos.
É como se você comprasse uma geladeira e depois a empresa responsável dissesse: "Não quero mais cuidar da sua geladeira". Você diz: "Está no contrato". Eles (os equipamentos militares) são como geladeiras que devemos atender na Venezuela.
BBC - Mas não são geladeiras, precisamente. A Rússia compreende a preocupação de outros países? Enviar aviões militares e assessores no meio de uma crise, de uma luta pelo poder na Venezuela, fazê-lo à luz do dia para que todos vejam...
Polyanskiy - Nós já fizemos isso antes. É algo rotineiro. Para nós, nada de extraordinário está acontecendo. Há um governo legal, um presidente legal, e estamos ajudando esse governo legal e presidente legal dentro do quadro do que fizemos antes. Não há nada de extraordinário nisso.
Aqueles que realmente observam a situação na Venezuela precisam se concentrar mais na fronteira entre o país e a Colômbia, que tinha uma situação muito mais perigosa. Essa suposta entrega de ajuda humanitária poderia causar muito mais danos a este país.
BBC - Como a Rússia recebeu a afirmação do presidente Trump de que "a Rússia tem de sair" da Venezuela?
Polyanskiy - Se o presidente Trump fosse presidente da Venezuela, teríamos escutado com muito cuidado. Mas o presidente Trump é presidente de outro país. É um terceiro país, é sua ilusão.
Temos acordos bilaterais com a Venezuela e não condicionamos essa cooperação bilateral em nossas relações com qualquer outro país, inclusive os EUA.
Os EUA são um dos países do mundo, um dos 193 membros das Nações Unidas, por isso não vemos razão para prestar atenção a isso.
BBC - Em março, a Rússia enviou uma carta de seu Parlamento ao Congresso colombiano dizendo que "o uso ilegítimo da força militar contra a Venezuela por outros Estados que apóiam a oposição será interpretado (...) como um ato de agressão contra um Estado soberano". Qual é a mensagem que a Rússia estava tentando enviar aqui?
Polyanskiy - Se não estou errado, enviamos esta mensagem para todos. Foi uma declaração da nossa casa, dirigida não só aos colombianos. É como uma posição do nosso país de que somos contra qualquer intervenção militar na região. Pelo que entendi, essa posição é compartilhada por todos, exceto talvez os EUA.
Se não estou errado, Guaidó reconheceu recentemente que seu principal plano é buscar a intervenção militar dos EUA na Venezuela. Essa é a única maneira pela qual ele pode chegar ao poder. É por isso que todas essas preocupações não são infundadas.
(Nota da redação: Guaidó disse que se os EUA propusessem uma intervenção militar na Venezuela, "provavelmente o aceitaria;" e que ele instruiu um representante seu a estabelecer relações de "cooperação" com o Comando Sul dos EUA. No entanto, Guaidó não declarou publicamente que seu plano principal seja buscar essa intervenção, ou que ela tenha sido solicitada).
BBC - Os EUA dizem que não excluem a "opção militar" na Venezuela. Como reagiria a Rússia no caso de uma intervenção militar dos EUA ou de outros países na Venezuela?
Polyanskiy - Não comentamos cenários hipotéticos, é claro. Mas acho que é suficiente analisar a posição de todos os vizinhos da Venezuela. Independente de todos os problemas e diferenças de opinião da Colômbia, do Brasil e de outros países com a Venezuela, acho que todos eles foram bastante inequívocos sobre o fato de não apoiarem outra intervenção militar dos EUA na região.
Já dissemos várias vezes que isso teria consequências devastadoras para a região e também para a segurança mundial. Mas não comentamos cenários hipotéticos.
BBC - A opção militar também está aberta para a Rússia?
Polyanskiy - Qual opção militar?
BBC - Na Venezuela.
Polyanskiy - Com base nesses especialistas militares que estão lá consertando geladeiras? (risos)
BBC - No caso de uma intervenção estrangeira. Vocês têm pessoal militar lá. Como eles reagiriam?
Polyanskiy - Existe alguma intervenção estrangeira a caminho? Li as notícias e não vi nada disso, graças a Deus. Tais coisas são consideradas apenas quando ocorrem problemas reais.
Temos grandes esperanças de que os EUA tenham bom senso suficiente para evitar esse cenário - que, mais uma vez, seria devastador para toda a região, também para os EUA e para a legalidade internacional. Então, seria uma grande crise internacional se os EUA decidissem realmente intervir militarmente. Mas só posso me limitar a isso.
BBC - Seria uma grande crise internacional?
Polyanskiy - Acho que seria uma grande crise internacional, é claro. Novamente, analisando a posição dos vizinhos da Venezuela, inclusive aqueles que reconheceram Guaidó, eles chegam a dizer que essa não é uma solução. Portanto, se você extrapolar isso para suas ações, é claro, isso significa que você não apoiará a intervenção militar e terá de colocar-se contra.
BBC - Muitas pessoas na região estão preocupadas que os EUA e a Rússia estejam arriscando um conflito militar na Venezuela tentando mostrar o quão influentes ou poderosos são neste país. Como você responde a essas preocupações?
Polyanskiy - Não estamos preocupados em ser influentes ou poderosos em qualquer país do mundo.
BBC - Mas arriscar um conflito militar...
Polyanskiy - Estamos arriscando conflitos militares em muitas regiões do mundo. Na Síria, em primeiro lugar, evitamos isso várias vezes. Há situações muito mais urgentes e diretas em que temos problemas militares com os Estados Unidos.
Até agora, pelo que entendemos, não há intervenção militar dos EUA na Venezuela - e esperamos que continue assim.
Até agora, nem um único político russo disse que usaríamos a força militar para prevenir ou interferir de alguma forma na Venezuela. Portanto, não há absolutamente nenhum fundamento para esse pensamento.
Mas, novamente, o que é absolutamente claro é que, em qualquer caso, se os EUA realmente considerarem uma ação militar, seria uma crise internacional muito grande.
Estas não são minhas palavras, acho que são de um político brasileiro ou colombiano: seria a maior crise na América Latina. Então, acho que os políticos americanos deveriam, acima de tudo, ouvir as vozes da região.
Sem mencionar que, pelo menos às vezes, deveriam tentar não esquecer a legalidade internacional.
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