O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou um acordo que permite aos Estados Unidos lançarem satélites com fins pacíficos na Base de Alcântara, no Maranhão. A assinatura foi feita durante evento com investidores em Washington D.C.
O documento prevê que satélites sejam lançados por meio de foguetes no local, que deverá passar a se chamar Centro de Lançamento de Alcântara.
Mísseis norte-americanos não poderão ser enviados ao espaço a partir da base brasileira, já que o acordo limita o uso para fins pacíficos, informou a assessoria do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Mísseis norte-americanos não poderão ser enviados ao espaço a partir da base brasileira, já que o acordo limita o uso para fins pacíficos, informou a assessoria do Ministério da Ciência e Tecnologia.
A base em Alcântara é considerada um dos pontos mais privilegiados do mundo para esse tipo de lançamento. Como está próxima da Linha do Equador, permite reduzir até 30% do combustível necessário para a atividade.
O acordo é chamado de "salvaguarda tecnológica", por estabelecer que apenas pessoas designadas pelas autoridades dos EUA terão acesso aos artefatos com tecnologia norte-americana. O país detém 80% do mercado espacial e teme espionagem.
Em contrapartida, o Brasil receberá pagamento pelo uso do espaço.
Soberania
De acordo com o ministro da pasta, astronauta Marcos Pontes, a soberania do Brasil não será afetada pelo acordo por não implicar na proibição total de acesso de brasileiros ao local.
"Imagina que você trouxe alguma tecnologia para dentro do seu quarto [de hotel] que, logicamente você controla. Você tem a chave do quarto, mas eu, como dono do hotel, posso entrar a hora que precisar. É algo mais ou menos nesse estilo", explicou ontem.
A equipe ministerial acredita ser importante assinar acordos semelhantes com outros países que contam com tecnologia em satélites e foguetes, como Japão e Índia. Não há previsão, porém, de quando o próximo deverá ser assinado.
A intenção de firmar o acordo vem desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O texto foi barrado pelo Congresso Nacional brasileiro na ocasião. A administração do ex-presidente Michel Temer (MDB) voltou a dar andamento às conversas, sem chegar a um acordo.
Momentos após assinar o acordo, Bolsonaro quebrou o protocolo e falou algumas palavras sobre o ato. Mas não havia microfone disponível no púlpito da assinatura, e parte da plateia não pôde entender o que foi dito.
Outros dois atos também foram assinados logo após a chegada de Bolsonaro ao evento, chamado de "Dia do Brasil em Washington". O primeiro é um ajuste entre a Agência Espacial Brasileira e a Nasa (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos) para a cooperação em pesquisas.
O segundo é uma carta de intenções firmada entre o Ministério do Meio Ambiente brasileiro e a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos com o objetivo de conservar a biodiversidade e promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Mais cedo, o governo publicou um decreto assinado por Bolsonaro isentando cidadãos de EUA, Austrália, Canadá e Japão de visto para fazer turismo no Brasil.
O que o Brasil ganha com o acordo sobre a base de Alcântara?
Construído em 1983, o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, é mundialmente conhecido por sua localização privilegiada, próxima da linha do Equador, que permite reduzir em até 30% o combustível necessário para um voo especial.
Seu potencial, no entanto, foi pouco explorado até agora, porque havia uma limitação para o uso da base por outros países. Com, o novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que permite aos Estados Unidos lançarem satélites com fins pacíficos a partir de Alcântara, espera-se que haja mais investimentos na área.
Mas há quem veja ameaças à soberania nacional e uma aproximação exagerada do presidente Jair Bolsonaro com o presidente norte-americano Donald Trump, em torno de uma agenda conservadora, nacionalista e "antiglobalista". Vale lembrar que Bolsonaro já defendeu a instalação de uma base militar americana em solo brasileiro.
Centenas de milhões
Os valores do negócio não foram divulgados, mas segundo o presidente da AEB (Agência Especial Brasileira), coronel Carlos Moura, são esperados aportes expressivos dos EUA no Brasil:
"Cifras na ordem de dezenas a centenas de milhões de dólares ao ano seriam uma estimativa conservadora e realizável num horizonte de médio prazo"
O acordo é chamado de "salvaguarda tecnológica" por estabelecer que apenas pessoas designadas pelas autoridades dos EUA terão acesso aos artefatos com tecnologia norte-americana. O país teme espionagem.
Em contrapartida, o Brasil receberá pagamento pelo aluguel da base para lançamentos.
Fala-se de um acordo do tipo desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, mas o texto foi barrado pelo Congresso Nacional. A proposta voltou a andar no governo Temer, mas sem conclusão. O texto agora precisa passar de novo pelo Congresso.
Por que importa tanto?
Por que importa tanto?
A base de Alcântara é cobiçada, porque fica num ponto estratégico. Voo que saem a partir dali rumo à órbita equatorial (onde o satélite artificial ou natural orbita baixo, na altura da linha do Equador) tem custos operacionais menores em relação a outras bases pelo mundo. Isso é uma diferencial para voos com cargas maiores, por exemplo, um foguete com grande quantidade de satélites.
Mas, mesmo com essa vantagem nas mãos o Brasil, ainda está atrás muito na corrida espacial do século 21. Parte desse atraso foi por causa de um grave acidente em 2003, quando o foguete brasileiro explodiu, que limitou seu uso ao lançamento de sondas, sem colocar em órbita nenhum satélite.
Nos últimos anos, a base de Alcântara ficou restrita a voos suborbitais (altitude de até 100 km acima do nível do mar) e a foguetes de testes, enquanto a iniciativa privada investe pesado em voos especiais --já temos testes feitos pela SpaceX, de Elon Musk, a Virgin Galactic, de Richard Branson, e a Blue Origin, de Jeff Bezos.
Com o novo acordo, tanto países quanto empresas podem fazer lançamentos maiores a partir de Alcântara --programas especiais que usam tecnologia americana também estavam impedidos de usar a base.
Empurrãozinho
Além de tentar abocanhar parte do rico mercado espacial, que movimentou US$ 3 bilhões em 2017, segundo dados da Administração Federal da Aviação dos Estados Unidos (FAA), a questão principal para o Brasil é que o acordo pode ser um impulso no nosso programa.
Os EUA detêm cerca de 80% da tecnologia de lançamento de satélites, e para outro país usar essa tecnologia em projetos próprios era necessário um acordo como esse. Estima-se que, em todo o mundo, exista uma média de 42 lançamentos comerciais de satélites por ano.
Carlos Gurgel, professor do departamento de engenharia mecânica da UnB e ex-diretor de satélites da AEB, afirma que mais importante que o lucro da atividade espacial é a necessidade de se formar o que ele chama de uma "economia espacial brasileira". Agora, diz ele, o país pode desenvolver mais tecnologia e inovação na área espacial.
Soberania ameaçada?
No entanto, há quem veja uma ameaça à nossa soberania nacional. O projeto foi bloqueado pelo Congresso brasileiro, no fim dos anos 2000, porque os parlamentares consideraram que a zona seria administrada pelos Estados Unidos, na prática. Havia muitas restrições no acesso brasileiro a qualquer tecnologia dos EUA.
O novo acordo traz uma cláusula estabelece que nada no AST pode prejudicar o desenvolvimento autônomo do programa espacial brasileiro, e os recursos vindos dos EUA em futuros acordos comerciais com o Brasil poderão ser usados em qualquer etapa do Programa Espacial Brasileiro, menos em veículos lançadores --ou seja, foguetes.
O embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, explicou que "nada impede que toda a receita obtida financie o Programa Espacial Brasileiro e o Tesouro Nacional arque só com o desenvolvimento de foguetes lançadores".
Mas ainda não está claro os detalhes de como esses pontos seriam na prática.
"A soberania de maneira nenhuma é afetada. Isso é um tipo de acordo importante a ser feito e é feito em termos técnicos e não tem qualquer tipo de influência ou provocação à nossa soberania. Muito pelo contrário, vamos ganhar muito com isso", afirmou o ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia. "Imagina que você trouxe alguma tecnologia para dentro do seu quarto [de hotel] que, logicamente você controla. Você tem a chave do quarto, mas eu, como dono do hotel, posso entrar a hora que precisar. É algo mais ou menos nesse estilo", explicou.
O Ministério disse que é importante assinar acordos com outros países, como o Japão e a Índia, para que o uso da base não fique limitado só aos EUA, mas também não há qualquer previsão para que isso aconteça.
O que se sabe é que estava prevista uma área exclusiva para os americanos dentro do centro de lançamento e a possibilidade de transitarem com material pela área sem passar por inspeção do Exército brasileiro. Mas isso foi eliminado do novo projeto, segundo o governo. Em contrapartida, os Estados Unidos exigiam que não houvesse transferência de tecnologia.
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