Após já terem travado três guerras, países entram na mais séria crise em várias décadas. O perigo de um conflito nuclear entre as duas potências atômicas pode ser remoto, mas ele existe, opina Michael Kugelman.
Por anos, esse é um princípio fundamental da segurança internacional: possuir armas nucleares impede nações de usá-las numa guerra. De fato, desde 1945, nenhum país usou uma. No entanto, há uma importante ressalva: as armas nucleares podem impedir batalhas nucleares, mas não impedem que Estados nucleares se agridam militarmente.
Isso quer dizer que o potencial de escalada para o conflito nuclear, embora remoto, ainda é bastante real. Não há melhor ilustração para isso do que a relação Índia-Paquistão, que atualmente atravessa sua mais séria crise em várias décadas. A Índia e o Paquistão travaram três grandes guerras antes de se tornarem Estados com armas nucleares. Mas desde que alcançaram o status nuclear formal, em 1999, eles continuaram a usar força militar limitada.
Eles frequentemente se envolvem em disparos transfronteiriços na linha que divide a região de Caxemira em duas áreas, uma controlada pelos indianos e outra pelos paquistaneses, conhecida como Linha de Controle. Nos anos 2000, a Índia realizou várias incursões transfronteiriças limitadas. Em 2016, Nova Déli executou o que descreveu como um "ataque cirúrgico" – uma operação que atingiu plataformas de lançamento de terroristas paquistaneses ao longo da fronteira.
E então veio a ação da Índia no início desta semana. Depois que um grupo terrorista baseado no Paquistão, com fortes ligações com os círculos de segurança do país, realizou um ataque na Caxemira administrada pela Índia, matando mais de 40 membros de forças de segurança da Índia, Nova Déli retaliou com o que foi indiscutivelmente seu mais audacioso uso da força no Paquistão desde a guerra brutal de 1971.
Aeronaves indianas, de acordo com as declarações oficiais de Nova Déli, sobrevoaram o espaço aéreo da Caxemira administrada pelo Paquistão, entraram na província de Khyber Pakhtunkhwa e realizaram ataques aéreos contra alvos terroristas paquistaneses.
Desde a invasão americana ao complexo de Osama Bin Laden – reconhecidamente, uma operação muito mais sofisticada e arriscada que a encenada pela Índia nesta semana –, não havia acontecido uma incursão militar tão dramática em solo paquistanês.
Desde a invasão americana ao complexo de Osama Bin Laden – reconhecidamente, uma operação muito mais sofisticada e arriscada que a encenada pela Índia nesta semana –, não havia acontecido uma incursão militar tão dramática em solo paquistanês.
Nova Déli descreveu essa operação não como defensiva, mas como preventiva – um esforço para interromper novos planos de ataques terroristas contra a Índia. A implicação é que a Índia declarou sua vontade de usar a força no Paquistão – e também dentro do Paquistão, não apenas ao longo da fronteira – para eliminar ameaças terroristas iminentes. Isso sugere o potencial para mais uso de força militar no futuro.
Isso é também um reflexo da doutrina "Cold Start" da Índia, que basicamente institucionaliza a estratégia de usar força militar limitada, tudo abaixo do limiar nuclear, contra o Paquistão. Islamabad, inabalável, realizou seu próprio ataque retaliatório depois do da Índia. Atingiu alvos militares indianos na Caxemira administrada pela Índia. Claramente, quando se trata da Índia e do Paquistão, há muito espaço para operar sob o guarda-chuva nuclear. Mas esse espaço não é ilimitado.
Não são só todas essas escaladas abaixo do limiar nuclear que colocam a Índia e o Paquistão em risco de um possível embate nuclear. Considere que o Paquistão está produzindo armas nucleares táticas a uma das taxas mais altas do mundo, e que Islamabad nunca se comprometeu com o princípio de não utilização inicial – o que significa, hipoteticamente, que qualquer uso convencional de força pela Índia pode se deparar com uma resposta nuclear paquistanesa.
A intenção aqui não é fazer previsões alarmistas. Uma batalha nuclear permanece altamente improvável. Na crise atual, a escalada precisaria subir mais alguns degraus. E, de qualquer forma, se as tensões realmente saírem do controle, a comunidade internacional – liderada por Washington, mas também por instituições como as Nações Unidas – interviria para aliviar as tensões. Ainda assim, essa possibilidade permanece. E a história recente oferece uma boa lição.
Em 1999, na época em que a Índia e o Paquistão se tornavam formalmente Estados nucleares, forças apoiadas pelo Paquistão cruzaram para a Caxemira administrada pela Índia. A Índia tentou repeli-los com ataques aéreos. O conflito, que começou em maio, se estendeu até julho.
No início daquele mês, de acordo com uma revelação feita em 2015 por Bruce Reidel, ex-analista de inteligência dos EUA, a CIA concluiu que o Paquistão estava planejando implantar – e possivelmente usar – armas nucleares. "A informação de inteligência", segundo Reidel, "era bastante convincente". Logo depois, o governo Bill Clinton ajudou a acabar com o conflito, conhecido como a crise de Kargil.
No início daquele mês, de acordo com uma revelação feita em 2015 por Bruce Reidel, ex-analista de inteligência dos EUA, a CIA concluiu que o Paquistão estava planejando implantar – e possivelmente usar – armas nucleares. "A informação de inteligência", segundo Reidel, "era bastante convincente". Logo depois, o governo Bill Clinton ajudou a acabar com o conflito, conhecido como a crise de Kargil.
Se o relato de Reidel era verdadeiro, então a crise de Kargil pode ter marcado o ponto mais próximo que o mundo chegou de uma guerra nuclear desde o final da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, não é possível descartar outro momento semelhante ao de Kargil para a Índia e o Paquistão no futuro.
Sob pressão global, Paquistão começa repressão a grupos militantes¹
O Paquistão disse nesta terça-feira que começou a reprimir grupos militantes islâmicos, prendendo 44 membros de organizações banidas, inclusive parentes próximos do líder do grupo culpado por um bombardeio letal à região da Caxemira, controlada pela Índia, mês passado.
O Ministério do Interior afirmou que foi uma medida para “acelerar ações contra organizações proibidas”. Autoridades afirmam que foi parte de uma investida planejada há muito tempo contra grupos militantes e não uma resposta à irritação da Índia em relação ao que Nova Délhi chamou de fracasso de Islamabad em controlar grupos militantes operando em solo paquistanês.
O Paquistão encara pressão de potências globais para agir contra grupos que realizam ataques na Índia, incluindo Jaish-e-Mohammed (JeM), que reivindicou responsabilidade pelo ataque de 14 de fevereiro que matou pelo menos 40 membros da política paramilitar.
O incidente levou ao mais sério conflito em anos entre os vizinhos com armas nucleares, com ataques aéreos entre as fronteiras e um breve conflito no espaço aéreo da Caxemira. A tensão esfriou quando o Paquistão devolveu um piloto abatido da Índia na sexta-feira.
Em mais um sinal de que as tensões estão aliviando, o Ministério das Relações Exteriores do Paquistão afirmou que uma delegação visitará Nova Délhi na próxima semana para discutir um acordo sobre peregrinos Sikh visitando locais sagrados no Paquistão.
O Ministério do Interior afirmou que parentes próximos do líder do JeM, Masood Azhar, foram detidos em “custódia preventiva” como parte da repressão. Nomeou-os como Mufti Abdul Raoof e Hamad Azhar, que uma autoridade do ministério afirmou ser filho do líder.
Na terça-feira, o Paquistão colocou duas instituições de caridade ligadas a Hafiz Saeed, fundador de uma organização militante que Estados Unidos e Índia culpam por vários ataques letais, incluindo o sítio de homens armados em Mumbai, em 2008, que matou 166 pessoas, na lista oficial de entidades banidas no país.
As instituições de caridade Jamaat-ud-Dawa e Falah-e-Insaniat foram colocadas na lista depois de o governo anunciar a restrição no mês passado.
¹por Reuters
¹por Reuters
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