"A Rússia só respeita a força"



Em uma semana, Trump atacou a OTAN e foi condescendente com Putin em Moscou. Em entrevista à DW, ex-comandante do Exército americano na Europa afirma que o fato de EUA alienarem aliados preocupa militares.

Para o ex-general americano Frederick "Ben" Hodges, a ameaça que a Rússia representa para o mundo é real: "Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, foi a Rússia que invadiu a Geórgia, é a Rússia que está ameaçando os países bálticos, é a Rússia que diz que a Romênia, a Dinamarca e a Suécia são alvos nucleares", afirmou, em entrevista à DW sobre a criticada atuação do presidente Donald Trump durante o encontro realizado com seu homólogo russo, Vladimir Putin.
Para analistas, Trump teve desempenho fraco diante de Putin por não ter abordado, por exemplo, a ingerência russa na eleição americana. "Isso é inexplicável", disse Hodges, segundo o qual "a Rússia só respeita a força", e nem a OTAN nem Trump transmitem força neste momento.
Após colecionar experiências na Coreia do Sul, no Iraque e no Afeganistão, Hodges teve sua última missão militar como comandante geral do Exército americano na Europa. Aposentado em dezembro de 2017, ele vive em Frankfurt e, hoje em dia, atua no instituto independente de pesquisas Center for European Policy Analysis (Cepa), com sede em Washington.
DW: O que o senhor achou do encontro de Putin e Trump em Helsinki? Compartilha da visão que parece ser comum, de que foi um desastre diplomático que mina as alianças multilaterais como a OTAN?
Hodges: Fico relutante em afirmar que qualquer coisa seja um desastre tão imediatamente após ter acontecido. Só vai levar um pouco mais de tempo para que as coisas possam ser filtradas. Certamente, todos os relatórios que vi indicam que ninguém ficou feliz com a cúpula, exceto os russos. Eu acho que, do ponto de vista positivo, pelo menos não houve anúncios do tipo 'Você pode fazer o que quiser com a Ucrânia ou a Geórgia'. Não há indicação de que foi como no século 18, quando grandes potências comercializavam espaço umas para as outras. Acho que há uma espécie de suspiro de alívio neste sentido.
Acho que vai ser um enorme problema para Trump nos Estados Unidos, porque tantos republicanos foram a público com críticas fortes de que ele não abordou todo esse negócio da ingerência russa na eleição americana. Ele não condenou, ele não responsabilizou Putin – isso é inexplicável.
Trump começou a viagem europeia criticando os aliados da OTAN e a encerrou sem criticar Putin. Como isso deve ser interpretado?
Em primeiro lugar, nossa grande aliança, a OTAN – não é perfeita, sempre é preciso trabalhar bastante nela – mas ainda é a aliança de maior sucesso na história mundial. A aliança superou tempos difíceis antes, mas sempre foi porque os países compartilhavam de interesses e valores comuns, e nunca houve a questão de que os Estados Unidos sempre liderariam.
Pela primeira vez na minha vida, o presidente americano questionou isso, o que realmente me preocupa. A novidade é que o presidente desrespeita e desdenha tão abertamente dos nossos aliados mais importantes que isso preocupa todos os profissionais militares que eu conheço.
Em segundo lugar, não acho que o presidente aprecie alianças e organizações internacionais. Acho lamentável porque, para os EUA, a aliança é uma parte essencial da nossa estratégia nacional de segurança geral. As 30 mil tropas que estão na Alemanha não estão lá para defender a Alemanha – isso faz parte da nossa contribuição geral para a segurança coletiva. E, francamente, a Alemanha é aliado essencial para os Estados Unidos por causa do acesso que nos dá para fazer tantas coisas.
É nossa presença avançada, se pudermos chamar assim, nossa cooperação de inteligência. Sempre acreditei que a Alemanha é o aliado para o qual os Estados Unidos deveriam trabalhar mais arduamente para ter um relacionamento desses. Achei um erro terrível o fato de o presidente Trump ter descartado a chanceler federal Angela Merkel.
Mas muitos analistas e políticos conservadores alemães dividem com Trump as críticas de que a Alemanha deveria estar gastando mais no setor da defesa.
Sim. Apesar de ter dito tudo isso, enquanto a maioria dos países estavam começando a fazer mais para dividir a carga, acho que o presidente chamou bastante a atenção para isso e provavelmente colocou o assunto na agenda – o que é necessário. Acho que ele deveria receber algum crédito por isso. Honestamente, metade da população americana não entende porque países europeus não fazem mais nesse sentido. Mas eu não gostei da forma como foi feito. Acho que será prejudicial no longo prazo.
Vários pontos defendidos por Trump durante a reunião – os gastos da OTAN e as menções ao gasoduto Nord Stream 2 – também são defendidos por analistas. Pode-se afirmar que é só o estilo de Trump que incomoda as pessoas, não o conteúdo?
Não quero dizer que seja apenas o estilo – isso minimiza os danos que Trump causa a esse tipo de relacinamento. O estilo é uma parte, sim, mas é muito pior que isso. É um descaso em relação aos nossos aliados e para o que quer dizer ser um aliado. A Alemanha faz tanto para ajudar a Aliança e para ajudar aos Estados Unidos, que não se encaixa nesses 2% (parcela do PIB que a OTAN quer que os países-membros gastem com defesa).
Na realidade, eu não gosto desses 2% como única medida. Entendo porque a temos, mas acho que é hora de uma abordagem muito mais sofisticada da divisão da carga e do que isso realmente significa. O que a OTAN precisa que a Alemanha faça simplesmente não se encaixa nesses 2%.
Algumas pessoas na Alemanha desconfiam um pouco da OTAN e da retórica de antagonismo em relação à Rússia, oriunda da Guerra Fria. Não apoiam Trump, mas certamente também não querem conflitos com a Rússia. O senhor acredita que haja alguma verdade na ideia de que transformamos a ameaça russa em algo maior do que é?
Não, absolutamente. Por 400 anos, a Rússia sempre usou todos os elementos ao seu alcance – seja o poder econômico, diplomático ou militar – para conseguir o que queria. Precisamos ser realistas: a Rússia só respeita a força. Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, foi a Rússia que invadiu a Geórgia, é a Rússia que está ameaçando os países bálticos, é a Rússia que diz que a Romênia, a Dinamarca e a Suécia são alvos nucleares. Esta é uma ameaça real.
Agora, não existe uma longa fileira de tanques russos alinhada na fronteira, com motores ligados e esperando para iniciar uma invasão por terra. Eu não espero isso, apesar de eles terem mantido essa capacidade, combinando-a com ciberguerras e desinformação e a ameaça de armas nucleares.
Todos nós, incluindo os Estados Unidos, nos desarmamos de forma significativa nos últimos anos porque pensamos que a Rússia seria nossa parceira. O último tanque americano voltou para casa da Alemanha há cinco anos. A Bundeswehr (Exército alemão) se desarmou quase que por completo. E agora, por causa do que a Rússia fez, todo mundo está agitado para reconstruir capacidades suficientes de dissuasão.
Então, nesse contexto, o quão preocupante foi essa cúpula e o aparente poder que Putin tem sobre Trump?
O fato de eles terem se encontrado não é mau. Na verdade, quanto mais tensa a situação, mais se quer que haja encontros para garantir que não haja mal-entendidos. O problema é que há muita gente que não confia no que o presidente Trump está fazendo ou dizendo.
Promover encontros só pelo encontro não ajuda se não se esclarece as expectativas e se não se coloca pressão sobre a Rússia. Novamente, os russos apenas respeitam a força, e acho que nesse momento a Aliança não parece forte – e o presidente Trump também não.

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