Supremacia tecnológica é pano de fundo de embate EUA-China



Com medidas para evitar transferência de tecnologia para a China, Trump mira estratégia de Pequim que objetiva liderança em setores tecnológicos fundamentais.

O presidente dos EUA, Donald Trump, deverá restringir os investimentos chineses em empresas de tecnologia americanas e as exportações de tecnologia americana para o país asiático, em mais um desdobramento da guerra comercial dos EUA com a China.
Wall Street Journal informou nesta segunda-feira (25/06) que Washington anunciará as medidas no fim desta semana. A intenção é impedir a China de levar adiante sua ambiciosa estratégia Made in China 2025, que pretende acabar com a defasagem tecnológica em relação ao Ocidente e levar o país ao domínio em setores industriais fundamentais.
Apesar de, poucas horas depois, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, afirmar que as restrições não valeriam apenas para a China, mas para "todos os países que tentam roubar" tecnologia dos EUA, parece evidente que o alvo principal é mesmo o gigante asiático.
O projeto Made in China 2025, anunciado por Pequim em 2015, visa transformar o país, hoje uma espécie de galpão industrial do mundo, em líder tecnológico global, incluindo setores como biotecnologia, robótica, tecnologia aeroespacial e automóveis movidos com energia limpa.
As tensões entre chineses, de um lado, e americanos e europeus, do outro, cresceram nos últimos dois anos devido à postura de Pequim de permitir investimentos de empresas chinesas no setor de tecnologia dos EUA e da Europa, ao mesmo tempo restringindo o acesso a seu próprio setor de tecnologia.
Ameaça à supremacia americana
Acusações reiteradas de roubo de propriedade intelectual levaram Trump a impor tarifas aduaneiras às mercadorias chinesas no montante de cerca de 50 bilhões de dólares, a entrar em vigor em julho. Trump ameaçou, ainda, adicionar outros 200 bilhões de dólares em tarifas para importações vindas da China.
 
As medidas indicam que Washington tenta de todas as maneiras impedir qualquer tentativa da China de tirar dos Estados Unidos a supremacia no setor tecnológico. "Tarifas são apenas uma ferramenta para lidar com a questão central, que é a preocupação com a ascensão da China como potência tecnológica", afirma o especialista Paul Triolo, do think tank americano Eurasia Group.
Ele avalia que a China terá que facilitar o acesso das empresas estrangeiras de tecnologia a seu próprio mercado doméstico, se quiser renegociar as tarifas de Trump.
Assustadas com a posição agressiva de Washington, autoridades chinesas minimizaram, nas últimas semanas, o possível impacto da estratégia Made in China 2025. "Os Estados Unidos estão respondendo às tentativas de minar sua vantagem competitiva. Tomara que os chineses levem as preocupações deles em consideração e readaptem o seu modelo", afirma o economista Max J. Zenglein, do Instituto Mercator de Estudos sobre a China, em Berlim.
Potencial da China perante EUA
As medidas para proteger as "joias da coroa" do setor tecnológico dos Estados Unidos podem até frear o avanço dos chineses, mas tanto Triolo como Zenglein disseram duvidar que seja possível impedi-lo, devido aos bilhões de dólares que o governo em Pequim está gastando para realizar suas ambições.
Triolo menciona o enorme mercado doméstico chinês, o elevado número de grandes empresas chinesas de tecnologia e o sistema educacional do país – que produz três vezes mais graduados em tecnologia industrial do que os EUA – como indícios do potencial da China para rivalizar com os americanos.
Ele avalia que projetos conjuntos são fundamentais para manter o domínio americano e cita como exemplo o setor de inteligência artificial, no qual tanto Google como Microsoft investiram pesado na China.
"Porém, de várias maneiras, o setor de tecnologia dos EUA está sendo tratado como uma questão de segurança econômica e de segurança nacional", afirma Triolo. Para ele, isso vai impedir futuras colaborações, principalmente diante das preocupações com espionagem chinesa em redes de comunicação dos Estados Unidos.
 
Zenglein, porém, usa um outro setor econômico para exemplificar como a colaboração com o Ocidente teria permitido à China obter o predomínio numa indústria antes dominada por Alemanha, França e Japão. "O setor de trens de alta velocidade é um exemplo muito bom de como a China trabalhou com empresas estrangeiras e as usou como uma espécie de alavanca para o domínio tecnológico." No fim desse processo, os chineses não dependem mais da tecnologia estrangeira.
China deverá liderar no 5G
Um setor que certamente será dominado pelos chineses é a introdução da futura infraestrutura de telefonia celular 5G, à medida em que a demanda por velocidades de transmissão de dados ultrarrápidas crescer, nos próximos anos.
"Nos Estados Unidos, muitos estão preocupados que a Huawei e a ZTE venham a dominar o 5G, e há preocupações sobre as implicações disso para a segurança nacional. Não existe uma empresa americana que possa fornecer a linha completa de equipamentos para o 5G", diz Triolo.
Apesar de o avanço tecnológico da China ser rápido até aqui, não se deve contar com "um grande momento em que as empresas chinesas ganhem a vantagem competitiva definitiva", prevê Zenglein, segundo quem, se isso acontecer, deverá se dar aos poucos. E, no caso de um setor extremamente caro, como a fabricação de semicondutores, o mais provável é que a China ainda vá depender por muitos anos dos Estados Unidos.
Apesar das preocupações geradas pela forte reação de Trump ao avanço tecnológico da China, Triolo afirma que não se trata de um jogo de soma zero: "Não estamos falando de armas nucleares. As tecnologias do futuro são extremamente complexas, e não é o caso de que vá haver um vencedor e um perdedor."

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