SPETSNAZ – Forças Especiais Russas na Ucrânia: Criméia e Donbass.




Coronel Ilya Grigoryevich Starinov (1900-2000). Juntou-se ao Exército Vermelho em 1918; em 1933 foi promovido ao Serviço de Inteligência do Estado-Maior, lutou na Guerra Civil da Espanha e foi o mais importante líder de Partisans durante a Guerra Patriótica 1941-1945. Em 1946 tomou parte nas represálias contra os nacionalistas ucranianos; ingressou no GRU na década de 1950. Retirou-se do serviço ativo em 1956, passando a lecionar em academias militares; fez parte do grupo que escreveu a história oficial da luta dos Partisans. Considerado o “avô” das Forças Especiais Russas.




INTRODUÇÃO *
                 
Historiar o papel cumprido pelas Forças Especiais no conflito da Rússia contra a Ucrânia, não é tarefa fácil. Visto que as atividades desse tipo de força são, usualmente, secretas ou no mínimo discretas, primam pela relativa ausência de informações. Neste caso, as melhores fontes são ucranianas, mas como o país é parte da conflagração é necessário confiar com a devida cautela em fontes relativamente independentes do governo. Sendo assim, é possível focar muito mais o modo como essas forças atuam do que propriamente sua ação na Criméia e no Donbass.

A Rússia tem várias formações militares e paramilitares denominadas Forças Especiais ou Spetsnaz (sigla de spetsialnoe naznachenie ou “missão especial”).  As unidades militares mais relevantes são a Spetsnaz GRU (Forças Especiais do Diretório do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia), a Spetsnaz FSB (Forças Especiais do Serviço Nacional de Segurança – sucessor da KGB), Spetsnaz SRV (Forças Especiais do Serviço de Inteligência do Ministério de Relações Exteriores), o 45º Regimento de Forças Especiais das Forças Aerotransportadas e as do SOC (Comando das Forças Especiais – equivalente ao SOCOM americano).

Tanto o GRU, FSB como o SVR têm um número grande de serviços além das Forças Especiais, tais como agências de espionagem (Agentura), Signal Intelligence (SIGINT) (comunicação, incluindo a área cibernética) e outras. Esses serviços atuam em conjunto com “suas” Forças Especiais. Todavia, pertencendo à mesma superestrutura, não há garantia de acentuada cooperação entre eles. É conhecida a rivalidade entreSpetsnaz e Agentura no domínio do GRU.
                 
Seguramente, a Spetsnaz GRU é a mais conhecida das Forças Especiais russas. Foi criada em 1950 e teve importante papel nas operações no Afeganistão e na Chechênia. Sua experiência é relevante como infantaria leve de elite, do que propriamente como Força Especial, de acordo com a versão corrente do termo no Ocidente. Dessa forma, a Spetsnaz GRU pode ser melhor comparada, por exemplo, com os US Rangers ao invés da US Delta Force. 

A função estratégica minorada da Spetsnaz GRU foi instituída no rastro das “Reformas Serdiukov” (1), quando a responsabilidade do grupo como provedor de serviços para outros departamentos militares foi ampliada às custas da sua antiga posição mais independente. Paralelamente, foi criado o novo Comando de Operações Especiais (SOC) para ser o instrumento militar à disposição das lideranças políticas.

Spetsnaz GRU consiste de sete brigadas alojadas pelo país, com aproximadamente 1.500 homens cada – unidades de combate e de apoio combinadas. Além delas, há quatro destacamentos navais de 500 homens cada, com a mesma estrutura, agregados às quatro Frotas – do Mar Negro, Mar Báltico, Pacífico e do Nordeste. Assim, o total do número de homens da GRU é em torno de 13.000.

Foi anunciado que o serviço poderia contratar gente a partir de 2014. Contudo, é difícil obter a informação se o objetivo foi alcançado. Os conscritos têm, tradicionalmente, um papel importante no recrutamento de pessoal para a Spetsnaz GRU.
                 
A instalação do SOC, em longo processo de gestação desde 2009, foi anunciada em março de 2013 pelo General Valerii Gerasimov, Chefe do Estado-Maior Russo. Está modelado diretamente na US Delta Force e no SAS inglês. Gerou grande inquietação no GRU, pois sua existência foi encarada como um símbolo da perda de status do serviço. Inicialmente fez parte do GRU, para em seguida ser retirado e agora voltar a ser um setor do serviço, mas com alto grau de autonomia. Normalmente, recruta gente de fora do GRU.

A ideia estratégica por trás do SOC é pôr à disposição da liderança política um instrumento discreto e muito competente para atender contingências nacionais e internacionais em que o emprego de força se faz necessário, quando, entretanto, não há perspectiva de uma ação militar em larga escala a seguir. O FSB tem duas unidades Spetsnaz – Alfa e Vympel. A primeira é formada por cinco subunidades em diferentes locais da Rússia e sua missão primordial resume-se nas operações antiterror.

A Vympel tem quatro subunidades e sua principal responsabilidade é a proteção de locais estratégicos, por exemplo, plantas nucleares. Essas missões principais não implicam no impedimento do seu emprego em outras finalidades. O tamanho da subunidade da Alfa e da Vympel é entre 300 e 500 homens. O 45º Regimento SOF (Forças de Operações Especiais) das tropas Aerotransportadas (VDV) atende as necessidades das grandes unidades, da mesma forma que a Spetsnaz GRU cumpre missões para as forças terrestres e a Spetsnaz GRU naval para o Corpo de Infantaria da Marinha.

O regimento tem uma dotação de cerca de 1.000 homens, blindados e artilharia leves. Finalmente, o SVR tem sua própria Spetsnaz de prováveis 300 homens. Sua função é proteger o pessoal das embaixadas russas no exterior, mas podem cumprir outras missões, mormente na área da inteligência

Roteiro sugerido por Tor Bukkvoll (Norwegian Defence Research Establishmente, FFA)
 
SOF e Guerra Híbrida.
                  
Há muitas tentativas e, ao mesmo tempo, certezas para definir o conceito de Guerra Híbrida, enquanto alguns negam ou desdenham sua existência. Em termos da agressão da Rússia à Ucrânia, o foco da análise é no emprego de meios não-militares para alcançar objetivos estratégicos. É importante ter em mente, lembra Nadia Schadlow, que “hibrido” se refere aos meios, não aos princípios ou aos objetivos da guerra (3).

O emprego das SOF em batalha regular não se enquadra em muitas das missões que integram a Guerra Híbrida. Todavia, usar as SOF no plano do não-combate, para obter ganhos políticos, poderia ser um exemplo do emprego dessas forças para a Guerra Híbrida. Pela classificação da NATO, operações especiais podem ser divididas em três grandes matrizes: direct action – DA (ação direta), special reconaissance - SR (reconhecimento) e militar assistence - MA (assistência militar) (4).

Essa classificação, entretanto, não acomoda algumas das missões secretas de traço político que forças especiais muitas vezes executam. Porquanto, estas últimas missões serem importantes no presente contexto, soma-se o conceito da covert action- CA (ação discreta ou secreta) à classificação da NATO (5). Nos dois casos a seguir, as SOF russas tomaram parte em operações regulares em grande escala na Criméia e na Donbass, mas também desempenharam missões do tipo CA, em nível acinético, para influenciar eventos políticos locais. 
 
CRIMÉIA
 
A Operação Criméia, ainda que conduzida provavelmente de acordo com planos pré-estabelecidos, foi muito rápida e fulminante, embora substancialmente sem confronto direto. Isso quer dizer que não ocorreu DA, e pouco tempo ou exigência para operações SR e MA por parte das SOF russas. A operação foi extensamente CA, fortemente calcada em informações provavelmente colhidas por unidades da Frota Russa do Mar Negro com base em Sebastopol e certamente por agentes locais recrutados pelo FSB e pelo GRU.

O deslocamento prévio da Spetsnaz GRU para ações de reconhecimento por certo ocorreu, mas é difícil achar evidências disso em fontes abertas. O observador militar ucraniano Dmitri Tymchuck afirma que tanto o FSB como o GRU tornaram-se muito ativos na Ucrânia depois da ascensão de Viktor Yanukovych à presidência em 2010. Ele determinou ao serviço de segurança, SBU, mudar o foco da contraespionagem da Rússia para o EEUU (6).
                 
Quanto à possibilidade de assistência militar por parte das forças especiais russas na Criméia é remota, uma vez que as chamadas “Unidades de Autodefesa da Criméia” tiveram um papel quase decorativo, servindo apenas para proporcionar às forças especiais russas uma imagem local. As unidades de autodefesa tiveram um papel militar insignificante. Visto que as operações em termos de forças especiais foi largamente CA, o recém-criado SOC teve, sem dúvida, papel crucial.

De acordo com os observadores militares russos Anton Lavrov e Aleksei Nikolskii, a tomada da Criméia foi a primeira operação em larga escala realizada pelo SOC (7). Particularmente, esteve por trás da ocupação do Parlamento em 27 de setembro (2014). Isto permitiu a eleição da marionete dos russos Sergei Aksenov como Primeiro-Ministro. Além disso, o SOC também liderou a tomada do Quartel-General ucraniano e outras dependências militares importantes. Essas operações exigiram mais tropa do que o SOC poderia pôr a campo. A unidade foi suplementada por formações daSpetsnaz GRU e da Infantaria Naval. O SOC, todavia, sempre liderou todas as ações (8). A operação Criméia usou velocidade e surpresa para criar fatos consumados, tornando quase impossível uma resposta militar por parte da Ucrânia. A vitória russa foi assegurada pela transferência de tropas adicionais à península, no entanto a ação inicial do SOC e de outras forças especiais e de elite foi o elemento decisivo (9). Da tomada do parlamento crimeniano à assinatura do acordo que tornou a Criméia parte da Rússia foram somente dezenove dias. Sete dias depois, todas as unidades militares ucranianas depuseram as armas. Esse cronograma fez a operação Criméia muito diferente da operação Donbass que se seguiu.    

DONBASS
                 
O grupo de blogueiros voluntários ucranianos Infonapalm identificou em solo ucraniano um grande número de membros de diferentes unidades SOF russas, com base emselfies postadas por soldados russos na Internet. Pertencem a todas as sete brigadasSpetsnaz GRU, ao 45º Regimento VDV e ao FSB (10). Nenhuma fonte aberta, porém, atestou que o SOC tomou parte nessas operações.

Conforme o observador militar russo Aleksey Nikolski (cit.), apoiados no que sabemos acerca de como as forças SOF são empregadas e com quais objetivos, não há evidência da necessidade da sua presença (o SOC)no leste da Ucrânia. Essa ausência na Donbass reforça a imagem do SOC como uma força para ser empregada somente quando não há a possibilidade da ampliação dos combates ou ela é mínima, quase zero. Também ressalta que só deve ser usado quando outros não podem executar o serviço, dado seu alto custo e valor combativo. Trata-se de uma força-tarefa extremamente valiosa para as iniciativas das lideranças políticas.

O primeiro operador do GRU preso em solo ucraniano, o foi pelo serviço de segurança SBU em março de 2014. Detido com três outros elementos enquanto colhia informações sobre as posições militares ucranianas na península de Chongar, justo ao norte da Criméia. Seu nome é Roman Filatov, e admitiu ser um oficial do GRU. Resultado de um acordo pessoal entre o Ministro da Defesa russo Shoygu e o chefe de Administração da Presidência ucraniana Pashynsky, Filatov foi enviado de volta para a Rússia, em troca da liberação do Contra-Almirante Serhii Haiduk e oito outros oficiais da marinha ucraniana mantidos reféns na Criméia (11). O site russo Zabytii Polk informa que ao lado daSptesnaz GRU opera também o 45° Regimento SpetsnazVDV, aquartelado na cidade ucraniana de Novoazovsk.  

Outrossim, o Estado-Maior ucraniano denunciou que o SVR se encontrava muito ativo na região fazendo doutrinação política e, que as subunidades do FSB, Alfa e Vympel, haviam tomado parte nos combates. Isto não se confirmou por outras vias (12). Desconhece-se quando exatamente a Spetsnaz GRU iniciou operações na Donbass. A correspondente de guerra ucraniana Inna Zolotukhina forneceu um dos primeiros registros de incontáveis testemunhas oculares.

No seu livro Voina s pervykh (The War from its first days) ela garante que as forças que ocuparam o quartel-general do SBU em Slaviansk, no final de abril de 2014, estavam fardadas e equipadas exatamente como a tropa do batalhão Ramzan Kadyrov’s Vostok identificado na Criméia dois meses antes (13). Complementa: um alto representante político do poder local (Slaviansk) me confidenciou que cerca de 150 instrutores do GRU estavam na cidade há mais de um mês. Se esta informação é correta, a Spetsnaz GRU estave em ação desde meados de março de 2014, ou seja, bem antes da rebelião anti-Kiev na Donbass converter-se em conflito generalizado.
 
Que o Spetsnaz GRU foi parte essencial na deflagração da revolta, é confirmado pelo oligarca ucraniano Serhii Taruta. Taruta tomou parte nas negociações do governo ucraniano com os rebeldes de Donetsk. Segundo ele, as autoridades ucranianas conseguiram em 8 de abril convencer os rebeldes a abandonar a sede governamental em Doneskt que haviam tomado, em troca de avultada quantia em dinheiro.

 Assim que o acordo foi selado, little green men (pequenos gentis-homens de verde – operadores das Spetsnaz) chegaram à Donetsk, vindos de Slaviansk, e reverteram a decisão dos rebeldes. Depois dessa visita, um acordo tornou-se improvável (14). Essas evidencias sugerem que a Rússia se envolveu desde o início na rebelião anti-Kiev na Donbass, e que as SOF russas foram o instrumento principal dessa intervenção. Esse é um exemplo clássico do emprego de Forças Especiais em ações secretas na esfera da Guerra Híbrida. Não quer dizer que não houve relevante iniciativa local na rebelião contra Kiev (15). Enquanto na Criméia a atuação das SOF russas se deu, principalmente, nas ações tipo CA, seu envolvimento no conflito no Donbass de julho a agosto de 2014, abrangeu o espectro total das tarefas regulares das SOF. O analista militar ucraniano Konstantin Mashovets afirma que a SpetsnazGRU deslocou três a quatro unidades conjuntas/batalhões ao Donbass. Essas unidades tinham um contingente de 250-300 homens cada, presentes no teatro de operações com base em sistema rotacional compreendendo as sete brigadasSpetsnaz GRU. Operavam em equipes de 10-12 homens, em íntima colaboração com a GRU SIGINT (16).

Em termos de relação com os rebeldes locais, eles os treinavam e forneciam informações privilegiadas. Ao mesmo tempo, relutavam em operar ativamente com eles, sobretudo quando voluntários russos (veteranos ou mercenários) estavam disponíveis para as mesmas ações. Mashovets afirma que cada grupo Spetsnaz GRU tinha “comissários” adjuntos da Argenta GRU. Dessa forma, a tática russa predominante era manter separadas, de alguma forma, missões militares das ações políticas.  Das primeiras – SR (reconhecimento) e MA (assistência militar) – se encarregava aSpetsnaz GRU, ao passo que o trabalho de doutrinação era responsabilidade dos “comissários” da Argenta GRU (17). Em situações de DA (ações diretas), as SOF russas tentavam esquivar-se do combate direto na Donbass.

Nem sempre era possível. Por exemplo, um oficial do GRU, identificado pelo codinome Krivko, foi ferido na batalha de Sanzjarovka no final de janeiro de 2015. Em maio de 2015, dois soldados da 16ª Brigada de Tambov (cidade russa do Governatore Tambov) foram feridos nos violentos combates em Stsjastye, perto de Luhansk (18). Quanto aos possíveis mortos, e os há, o governo russo decretou segredo de Estado a respeito.
 
Outras áreas de DA (ação direta) por parte das SOF russas são a sabotagem e o assassinato seletivo na retaguarda ucraniana.  Numa missão de sabotagem fracassada em Kharkov, em setembro de 2014, foi morto um russo alegadamente agente do GRU. Ele era suspeito de explodir vagões ferroviários carregados com combustível de aviação na estação de Osnova, com o objetivo de criar contratempo às operações da Força Aérea da Ucrânia.

Fontes ucranianas acusaram também que grupos conjuntos de rebeldes e de pessoal da Spetsnaz GRU intensificaram atividades em áreas da retaguarda no verão de 2015. Essas atividades incluíram a colocação de minas e ataques a comboios de transporte ucranianos pobremente protegidos. Uma DA (ação direta) diferente era responsabilidade das Forças Especiais do FSB. 

O observador militar ucraniano Dmitrii Tymchuk assegurou que a Spetsnaz FSB foi responsável pelo treinamento e supervisão de diferentes grupos de separatistas. Sua atividade e orientação incluía, tanto medidas diplomáticas como “ações físicas” contra recalcitrantes (19). Como ocorre em muitos países, há problemas de coordenação de políticas entre as diferentes agências. O observador russo Konstantin Gaaze informa que há, no mínimo, três difrentes agências estatais russas implementando políticas na Donbass.

Elas não têm vontade política ou habilidade para coordenar seus esforços. Por exemplo, o adviser presidencial Vladislav Surkov supervisiona as lideranças políticas das DNR/LNR (Donetsk People's Republic/Luhansk People’s Republic), enquanto os militares russos comandam diretamenteas milícias combatentes das DPR/LNR. Por outro lado, o FSB realizou missões de iniciativa própria pouco conhecidas dos demais órgãos estatais. Nenhuma das três agências, de acordo com Gaaze, mantém canal de comunicação entre si totalmente aberto (20). Em outubro de 2015, de acordo com fontes ucranianas, um centro de ações conjuntas foi estabelecido em Donetsk por iniciativa do FSB e do GRU para lidar com o problema (21). Resumindo, o emprego das SOF pelos russos pode ser representado pela tabela seguinte: Criméia e Donbas – Direct Action (DA) X Special Reconnaissance (SR) X Military Assistence (MA) XCovert Actions (CA).
  
CONCLUSÕES
 
Como sempre ocorre, no caso dessas duas operações as particularidades limitam o aprendizado por outros países de possíveis lições. Tanto a presença de etnias russas, parcelas da população pró Rússia e os laços históricos dessas regiões com a Rússia, fazem a Crimeia e a Donbass áreas muito especiais e totalmente distintas de outras nas quais a Rússia poderá operar militarmente no futuro.

Apesar desse fato, no mínimo três valiosas experiências podem ser apreendidas (de acordo com Bukkvoll, cit.). Primeiro, chama a atenção a surpreendente habilidade russa para deslocar as SOF a uma zona de conflito em alta velocidade e sincronia (22).

Deve-se à implantação do SOC (Comando de Operações Especiais) o revigoramento da capacidade russa nessa área.  Na Criméia foram capazes de criar um fait Acompli tão rapidamente, que se tornou quase impossível às autoridades ucranianas responderem à ameaça. É possível imaginar algo similar na relação da Rússia com outros países. Se, em um conflito da Rússia com outro Estado, os russos empregarem as SOF para estabelecer velozmente um fato consumado, o governo opositor pode se ver a braços com um sério dilema.

Admitindo que esse tipo de operação não seja tarefa fácil, o contra-ataque também não o é, afora implicar no risco de escalada para um conflito geral indesejável. Esse é o caso de aceitar limitadamente o dano material/político da nova situação. Os países da NATO, ademais, devem levar em conta a eventual avaliação da nova conjuntura por outros membros da aliança. Projetar uma resposta militar, ainda que justificável por fundamentos particulares, não estimula qualquer membro da aliança a pensar da mesma forma. Sérias discordâncias acerca de uma escalada militar poderão aflorar.

O Estado “hospedeiro” necessitará provavelmente tempo para analisar e clarear o contexto antes de decidir, ou não, qual o tipo de reação.  Segundo, o emprego sui generis das SOF e da guerra híbrida em geral pelos russos terá, certamente, um perfil diferente caso a caso. Destarte, preparar-se de acordo com cenário ucraniano poderá ser de valor limitado. Diversamente, cada país necessita identificar quais são suas prováveis vulnerabilidades peculiares em caso de conflito com a Rússia.

O foco principal será lidar com essas fragilidades. Terceiro, os efeitos do emprego das SOF poderão ser alavancados pelo uso simultâneo de ferramentas não-militares. Nos casos da Criméia, principalmente, e da Donbass, esses meios acinéticos foram a propaganda de alta intensidade por mídias controladas direta ou indiretamente pelo Estado russo e a interrupção da infraestrutura de comunicações da Ucrânia (v. nota 22). A lição definitiva é estar preparado para o fato de que várias ameaças podem se manifestar simultaneamente.

Se não houver uma mudança de regime, as relações da Rússia com outros países continuarão desafiadoras por anos. Entenda-se que até mesmo a Rússia não esteja cogitando em confrontação direta. Interesses opostos e interpretações divergentes das realidades políticas podem, talvez, tornar o conflito uma possibilidade concreta. Para muitos países, até que ampla compreensão e relações mais estáveis com a Rússia se tornem realidade, o perigo de conflito violento permanece uma possibilidade. Nesses termos, a crescente capacidade das SOF russas é um fator preocupante. 

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