MARÉ - Pesquisa feita revela avaliação negativa sobre ocupação



Para 69%, sensação de segurança não aumentou após ação do Exército


Entre abril de 2014 e junho de 2015, mais de 3 mil homens das Forças Armadas ocuparam 15 das 16 favelas do Complexo da Maré, preparando o terreno para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na região. Passados quase dois anos do fim da operação, nenhuma UPP foi criada, e os números da violência subiram. Uma pesquisa inédita divulgada pela ONG Redes da Maré mostra ainda que a sensação de segurança não aumentou, na opinião de 69,2% dos moradores entrevistados.

Segundo a ONG, somente nos primeiros três meses deste ano, ocorreram 13 mortes no complexo, contra 33 registradas em todo o ano passado. Para pedir o fim da escalada de violência, moradores e entidades estão convocando a população para um grande ato em defesa da paz, a Marcha contra a Violência na Maré, na próxima quarta-feira, às 13h, na Praça do Parque União.

Para Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré e coordenadora do estudo, o encontro vai servir para mostrar que as estratégias de ocupação precisam ser revistas e debatidas.

— As comparações com 2016 não deixam dúvidas. Os alunos já ficaram 11 dias sem aulas este ano por causa de confrontos, enquanto que, em 2016, foram 28 dias. Os postos de saúde fecharam as portas por 17 dias, contra 20 em todo o ano passado — diz Eliana, doutora em Serviço Social. — A ocupação das Forças Armadas, durante 15 meses, custou R$ 600 milhões. Enquanto isso, em seis anos, foram investidos R$ 303,6 milhões em projetos sociais pela prefeitura.

O evento de quarta, organizado pelo Fórum Basta de Violência, da própria Maré, ganhou a adesão de famosos. As atrizes Patrícia Pillar e Maria Luiza Mendonça, os artistas plásticos Adriana Varejão e Luiz Zerbini e o empresário e estilista Oskar Metsavaht já declararam apoio. As atrizes Carolina Ferraz, Camila Pitanga e Cissa Guimarães confirmaram presença.

— A violência é uma epidemia que mata todos nós, direta ou indiretamente — disse Cissa Guimarães. — Precisamos nos curar!
O artista plástico José Bechara espera grande engajamento:
— São ações que nos lembram do direito de sermos uma sociedade solidária e boa.

Esta semana, a Redes da Maré vai divulgar todos os dados da pesquisa “Percepção de moradores sobre a ocupação das Forças Armadas na Maré”. Realizado com o Peoples Palace Projects, da Queen Mary University of London, e com o apoio do Newton Fund, o estudo foi feito entre fevereiro e setembro de 2015. Foram entrevistados mil moradores, entre 18 e 69 anos, nas 15 favelas ocupadas pelo Exército (responsável por 80% do efetivo).

— No começo, os moradores acreditaram na ocupação, mas, no final, a maioria começou a não ver diferença entre o comportamento do Exército e o da polícia — resume Eliana.

Segundo a pesquisa, 34% dos entrevistados foram submetidos a revistas, 21,6% viram algum confronto violento entre soldados e criminosos e 8,7% tiveram a residência inspecionada. O estudo revela ainda que menos de um quarto considerou a ocupação ótima (4%) ou boa (19,9%), enquanto 75,3% a avaliaram como regular (49,5%), ruim (11,9%) ou péssima (13,9%).

RELATO DE BALEADO 

A pesquisa, transformada um livro, traz o relato de Vitor Santiago Borges, de 31 anos, que ficou paraplégico depois de ser baleado por soldados do Exército, em fevereiro de 2015. Ele conta que voltava da Vila do João de carro com amigos, de madrugada, quando o veículo em que estavam foi alvo de vários tiros, numa rua deserta.

O carro já tinha passado por uma revista. Vitor foi atingido nas costas e em uma das pernas. Pai de uma menina de 4 anos, ele diz que ficou em coma, passou 98 dias internado no Hospital Getúlio Vargas e um ano em cima de uma cama, na favela, sem receber assistência. Ele luta por uma indenização da União.

— Cansei de passar pelos militares nas esquinas e incentivar minha filha a acenar para eles. O Exército veio com ideias ótimas, de projetos sociais, de administração, mas fiquei completamente frustrado. O cara que acreditava agora está na cama, sem andar, por causa dos soldados — lamentou Vitor, que foi do Corpo de Dança da Maré.

O Comando Militar do Leste afirmou, em nota, que o processo está na Justiça Militar e que Vitor e sua família “receberam apoio médico, psicológico e de assistência social”, além de medicamentos. O carro foi alvejado, diz o CML, em defesa da tropa.

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