Ministro turco afirma que, se exigência de visto para turcos não acabar até outubro, Turquia se verá obrigada a romper o acordo que praticamente acabou com o fluxo de migrantes para a Europa.
A Turquia ameaçou neste domingo (31/07) a
União Europeia (UE) com o rompimento do acordo sobre refugiados se até
outubro não for eliminada a exigência de visto para cidadãos turcos que
desejarem viajar para países do bloco.
O ministro turco do Exterior, Mevlüt Cavusoglu, disse ao diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung que,
se não houver a liberação da exigência de visto, a Turquia se verá
obrigada a "se afastar" do acordo acertado em 18 de março.
Cavusoglu disse que o acordo funciona
porque a Turquia tomou "medidas muito sérias", entre elas o combate ao
tráfico de pessoas. "Mas tudo isso depende do fim da obrigatoriedade de
visto para nossos cidadãos, o que também faz parte do acordo."
Ele acrescentou que o governo turco
espera que seja definida uma data concreta para o prometido fim dos
vistos. "Pode ser no início ou em meados de outubro, mas esperamos uma
data concreta."
O acordo sobre os refugiados – junto com o
fechamento da fronteira da Macedônia – praticamente acabou com o fluxo
de migrantes que chegam à Europa pela chamada rota dos Bálcãs. A maioria
deles tinha como destino países do norte, como a Alemanha e a Suécia.
A obrigatoriedade de visto para os
cidadãos turcos deveria ter sido eliminada em julho, mas a data foi
postergada porque a Turquia ainda não cumpriu todas as 72 exigências
feitas pela UE, principalmente a reforma da legislação antiterrorista.
Ameaça de Erdogan à UE é absurda¹
Chantagem não pode ser um recurso na
política entre parceiros. E assim é como a União Europeia e a Turquia
ainda se veem em relação à questão dos refugiados, apesar dos graves
abalos internos turcos.
Por isso é consequente a Comissão
Europeia rechaçar as tentativas de Ancara de forçar a isenção de visto
para seus cidadãos na UE, em troca de receber de volta certos refugiados
e migrantes. No pacto firmado na cúpula de março, a UE voltou a
reconhecer como meta a isenção de visto, contanto que a Turquia preencha
as condições correspondentes. Uma data concreta não foi mencionada.
A ideia de Ancara, de dar agora um
ultimato, estipulando outubro como data para o início do ingresso livre
na UE, é um disparate. Com isso, o governo turco está, no máximo,
colocando a si mesmo sob pressão. Ele teria então até outubro para
cumprir as últimas sete de 72 condições, sem as quais não haverá
ingresso sem visto na UE para os cidadãos turcos. Ao declarar que não
cumprirá pelo menos um desses requisitos – o relaxamento das leis
antiterror –, a Turquia tornou o prazo até outubro inalcançável para si
própria.
Portanto as ameaças do governo são,
antes, um teatro do absurdo, visando fazer efeito na política interna,
mas que não resolvem o problema. Aliás, não é totalmente nova a ameaça
de detonar o pacto dos refugiados. Já em maio, representantes turcos
haviam ventilado a possibilidade, na tentativa de impor uma liberação em
1º de julho.
O governo da Turquia precisa entender
que a isenção de visto não é apenas um procedimento técnico, mas uma
decisão política, que ocorre num contexto político. Com um país em
estado de exceção, cujo presidente evitou uma tentativa de golpe de
Estado e que agora intervém com dureza desproporcional, segundo os
critérios da UE, dificilmente se dará um passo desses.
No momento, a liberação de visto é,
antes de tudo, um troféu político que o presidente Recep Tayyip Erdogan
deseja arrancar à União Europeia. Essencial, a circulação mais livre
para os turcos não é. Admita-se: solicitar visto é laborioso e caro, mas
90% dos requerimentos são deferidos sem problemas. Quem quer ou
precisa, pode viajar.
Com o pacto dos refugiados, é óbvio que
a UE, liderada pela chefe de governo alemã, Angela Merkel, se submeteu a
uma certa dependência em relação à Turquia. A fronteira fechada entre a
Grécia a Macedônia, e a perspectiva de serem devolvidos das ilhas
gregas para a Turquia, desencorajaram os refugiados e migrantes a tal
ponto, que eles não ousam mais a travessia do Mar Egeu.
Na prática, foram reenviados para a
Turquia apenas algumas centenas de migrantes, entre os quais
pouquíssimos sírios, devido ao fato de os processos de asilo na Grécia
demorarem bem mais do que previsto no pacto euro-turco de março.
Desta maneira, o serviço prestado pela
Turquia não é receber, em massa, migrantes e solicitantes de asilo
rejeitados, mas sim, acima de tudo, a acomodação em seu território dos
refugiados e migrantes. Para tal, as organizações humanitárias já
receberam as primeiras verbas da UE, ainda que Erdogan o negue.
A Turquia pode rescindir de um dia para
o outro o pacto dos refugiados – o qual é só uma declaração política,
não um acordo de direito internacional. A UE, aliás, também. Mas aí, o
que aconteceria? Voltaria a aumentar subitamente o número dos refugiados
chegados pelo Egeu? Ninguém sabe predizer com exatidão. Alguns
especialistas na UE apostam que o efeito dissuasivo permaneceria,
enquanto a rota dos Bálcãs estiver fechada – ou seja: enquanto for
impossível a travessia de inverno desde as ilhas gregas até o Norte da
Europa.
A situação é particularmente perigosa
para a Grécia, onde o congestionamento humano pode se agravar
seriamente. E até o momento os demais Estados da UE não fazem grandes
esforços para aliviar a carga grega. Trata-se, também, de premeditação
cínica, pois quanto piores forem as condições na Grécia, maior será o
desencorajamento de novos migrantes.
Caso passem efetivamente a chegar na
Grécia mais refugiados vindos da Turquia, aí a UE terá que voltar a
abordar o incômodo tema da redistribuição dos refugiados, pelo menos pro
forma – coisa de que tem conseguido se esquivar desde abril, graças ao
pacto com Ancara.
A situação poderá se agravar
drasticamente se o presidente turco aplicar o que já ameaçava em 2015:
ele pode, a qualquer momento, colocar os refugiados em ônibus e
mandá-los através das fronteiras com a Grécia ou a Bulgária.
Soa improvável? Considerando-se a atual conjuntura política na Turquia, a rigor não se pode descartar mais nada.
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