Itália lança campanha para desencorajar migrantes econômicos. Alemanha rejeita e deporta cada vez mais migrantes
Governo italiano divulga relatos de
violência e agressões que jovens africanos enfrentaram na sua jornada
para chegar à Europa. Críticos afirmam que a União Europeia deveria
fazer mais além de assustar.
É meio-dia de um verão escaldante. Numa
viela estreita perto da estação ferroviária de Tiburtina, em Roma,
dezenas de pessoas estão reunidas ao longo de um muro, na sombra. Elas
estão sentadas em pedaços de papelão ou em cadeiras de plástico, comendo
massa ou salada de frutas em pratos de papel. Perto dali, sob uma
pequena tenda aberta, voluntários distribuem a comida que foi doada por
moradores da vizinhança.
A maioria das pessoas acampadas enfrentou
violência, agressão sexual e trabalho escravo, além de arriscar a vida
para escapar da pobreza extrema ou da opressão política na terra natal.
Elas pagaram coiotes na Líbia, depois de cruzarem desertos traiçoeiros, e
foram resgatadas no sul da Itália quando estavam em barcos de borracha
precários. Elas vêm da África Ocidental, do Iraque, da Etiópia ou do
Sudão.
"É muito perigoso para as mulheres", diz
uma jovem de 19 anos que foi resgatada em julho no sul da Itália e
espera se reunir com o marido em Zurique e "conseguir uma educação."
Assim que termina de comer um prato de massa, ela explica que passou um
mês na base de um traficante de pessoas na Líbia, à espera de um barco.
"Não há nenhuma comida ou água. E também há pessoas que te roubam e
homens que te atacam sexualmente." Ela conta que a viagem de barco, que
durou cinco dias, foi horrenda. "Eles colocaram 125 pessoas num barco
muito pequeno. Cinco morreram [de exaustão e sede], e eles simplesmente
jogaram os corpos ao mar."
Abioa, natural da Etiópia, que está
sentando ao lado e ajuda na tradução, diz que também sobreviveu a uma
provação angustiante. "Eles te batem da manhã até a noite, te dão comida
apenas uma vez por dia. Vi muitos amigos morrerem, uns 15, 20. Muitos
por apanharem ou por ficarem doentes. Não há comida", diz ele. Desde que
chegou à Itália, no início de junho, ele tentou cruzar a fronteira com a
Suíça em seis oportunidades, mas foi mandado de volta em todas elas.
"Se eu soubesse, não teria vindo", afirma.
Você não é bem-vindo
São pessoas como essas que uma
contundente campanha informativa lançada recentemente pelo Ministério do
Interior da Itália e pela Organização Internacional para as Migrações
(OIM) está tentando alcançar. Batizada de "Imigrantes, fiquem atentos", a
campanha é voltada para homens e mulheres jovens que abandonaram seus
países devido à pobreza extrema e que dificilmente receberão o status de
refugiado na Europa. A mensagem? Não se arrisque vindo até aqui.
Por meio de anúncios de rádio e televisão
transmitidos em 15 países africanos – e também pelo Facebook e outras
mídias sociais – imigrantes que fizeram a travessia para a Itália
partilham suas histórias de horror em francês, inglês e árabe. Eles
encaram a câmera com uma franqueza surpreendente. Um homem conta ser
incapaz de parar de chorar depois que coiotes na costa da Líbia o
obrigaram a se separar do seu filho antes do embarque. Uma jovem
descreve a sede agonizante que enfrentou nas mãos de traficantes no
deserto. Outra diz que foi mantida refém por vários meses e teve que
fugir para salvar sua vida, depois de ter escapado por pouco de um
estupro anal.
O ministro do Interior da Itália,
Angelino Alfano, que ajudou a lançar a campanha, orçada em 1,5 milhão de
euros e que tem como slogan "Esteja ciente, irmã!"! ou "Esteja ciente,
irmão!", comparou a iniciativa a "atirar uma garrafa com uma mensagem"
para os candidatos a imigrantes. Ele diz que violência sofrida na Líbia
aumentou consideravelmente. Assim como as mortes no mar – mais de 3 mil
pessoas pereceram este ano na travessia da Líbia para a Itália (um
aumento de 25% em relação ao mesmo período de 2015).
Prioridades erradas
Mas a campanha despertou algumas críticas
entre aqueles que trabalham com os imigrantes. "Eu acho essencial que
todas as coisas terríveis que acontecem com essas pessoas sejam
devidamente divulgadas", diz Andrea Costa, que trabalha como coordenador
voluntário no centro de refugiados de Tiburtina. No entanto, ele
questiona não só a eficácia da campanha, como também as prioridades da
Itália.
"Junto com essa mensagem, a Europa também
deveria fazer tudo o que puder para eliminar esses riscos terríveis e
para criar um corredor humanitário seguro para as pessoas que escapam de
ditaduras ou da fome", diz. Outros ativistas têm feito críticas mais
duras e passaram a denunciar a campanha com a hashtag #shameonEU ("que
vergonha, União Europeia"). A Europa "não se importa se você é uma
mulher ou uma criança ou se você está fugindo da guerra", escreveu uma
italiana.
Divulgar a mensagem
Os responsáveis pela campanha, porém,
deixam claro que o alvo são os migrantes econômicos, que muito
provavelmente serão enviados de volta ao seu país de origem – e não
aqueles que fogem de conflitos e que se enquadram na definição de
refugiados. Desde o início de 2014, mais de 400 mil migrantes chegaram
de barco à Itália. Em 2016, o país recebeu cerca de 90 mil. Muitos vêm
da África, e a maioria – 60% em 2015 – não se qualifica como refugiado.
Federico Soda, que comanda o escritório
da OIM em Roma, diz que os migrantes costumam trocar informações. No
entanto, ele ressalta que esses relatos sobre o perigo e a violência ao
longo da rota migratória nem sempre alcançam seus locais de origem.
Muitas vezes, aqueles que sobreviveram sentem uma profunda vergonha,
algo que não é fácil de compartilhar.
"Existe uma grande pressão social para
que esses projetos de migração sejam bem-sucedidos, especialmente quando
as famílias fazem grandes sacrifícios econômicos para enviar alguém",
explica Soda, "Se você tiver sido abusada, espancada e estuprada, isso é
encarado como um fracasso terrível. Além disso, vivenciar essas
experiências, ou até mesmo testemunhá-las, é algo tão traumático que
eles simplesmente desejam bloquear tudo", acrescenta.
Tina Ammendola, porta-voz do Departamento
de Liberdade Civil e de Imigração do Ministério do Interior da Itália,
diz que, além de informar sobre o que acontece com essas pessoas, a
campanha também quer combater as falsas narrativas divulgadas por
traficantes de pessoas.
"Grande parte das informações é divulgada
pelos próprios traficantes e é incorreta", diz. "É uma ferramenta que
os traficantes dispõem para convencer as pessoas, dessa forma eles podem
ganhar dinheiro com os migrantes, maltratá-los e enriquecer ainda mais.
Sabemos que a maioria deles juntou fortunas às custas de pessoas que só
estão tentando encontrar uma vida melhor."
Alemanha rejeita e deporta cada vez mais migrantes
Dados divulgados pelo Ministério do Interior apontam que mais pessoas estão sendo barradas nas fronteiras alemãs e que deportações, sobretudo de grupos grandes, também estão aumentando. Oposição critica novas políticas.
Dados divulgados pelo Ministério do Interior apontam que mais pessoas estão sendo barradas nas fronteiras alemãs e que deportações, sobretudo de grupos grandes, também estão aumentando. Oposição critica novas políticas.
A Alemanha rejeitou 50% mais pessoas em
suas fronteiras na primeira metade de 2016 do que em todo o ano passado,
segundo dados divulgados pelo Ministério do Interior alemão nesta
terça-feira (09/08). Guardas de fronteira impediram mais de 13 mil
pessoas de entrar no país de janeiro a junho deste ano.
A Alemanha também parece estar
determinada a aumentar o número de deportações – foram 13.734 no
primeiro semestre de 2016, comparadas a 20.888 em todo o ano passado. Os
números sugerem que a introdução de controles de fronteira em setembro
de 2015 e a pressão sobre as autoridades para deportar mais migrantes
começou a surtir efeitos.
Os dados foram divulgados em resposta a
um pedido da parlamentar Ulla Jelpke e de outros membros do partido A
Esquerda. Eles classificaram as novas políticas do governo de
"irresponsáveis" por significarem que mais pessoas estão sendo obrigadas
a voltar para zonas de conflito.
"Deportação em massa"
O número de deportações coletivas foi
particularmente alarmante para Jelpke. "Uma prática desumana de
deportação em massa está cada vez mais estabelecida na Alemanha", disse
em comunicado. "O número de deportações coletivas aumentou massivamente
em relação aos anos anteriores, representando agora 74% de todas as
deportações", apontou.
"A União Europeia e o governo [alemão]
não conseguem coordenar de forma sensata a recepção e processamento dos
pedidos de asilo, mas quando se trata de deportação, eles se superam",
afirma. "Isso é o contrário de uma política de asilo humana."
Jelpke também condenou as novas leis de
asilo da Alemanha, introduzidas em três pacotes separados desde setembro
do ano passado e que, entre outras coisas, tornaram a deportação de
migrantes mais fácil. Esta não é mais anunciada com antecedência, o que
significa que famílias são frequentemente despertadas nas primeiras
horas da manhã para serem deportadas. Além disso, problemas de saúde
muitas vezes não impedem mais a deportação, critica a parlamentar.
"Política de amedrontamento"
Para a oposição, isso é parte de uma
"política de amedrontamento". Com longas esperas burocráticas, pouca
certeza em relação a empregos e menos oportunidade de trazer membros da
família ao país, o objetivo seria tornar o mais difícil possível se
estabelecer na Alemanha, fazendo com que os migrantes deixassem o país
voluntariamente. Os números mostram que 3.322 iraquianos e 2.305 afegãos
deixaram o país voluntariamente com o apoio do governo.
Apesar de trechos das novas leis de asilo
terem sido especificamente concebidos para introduzir mais
oportunidades de integração, Jelpke argumenta que a maioria dos
migrantes que deixa a Alemanha não o faz porque quer.
Uma análise minuciosa da quantidade de
entradas no país que foram negadas – classificadas por país de origem e
motivo da negação –, leva a outras questões. Ela mostra, por exemplo,
que 4.912 sírios, iraquianos e afegãos foram rejeitados nas fronteiras
alemãs neste ano, e na maioria dos casos, o motivo alegado foi a
ausência de passaporte, de um visto válido ou de permissão de
residência.
Entretanto, isso sugere que nenhuma
dessas pessoas, aparentemente vindas de países devastados pela guerra,
pediram refúgio, o que significaria que ele teriam que ter sido aceitos
como requerentes de refúgio. Então, o que aconteceu nesses casos?
Apesar de desaprovar a política de asilo
da Alemanha, a organização de refugiados Pro Asyl argumenta que os novos
números não são tão significativos quanto o A Esquerda fez parecer.
"Estamos analisando se houve casos em que podemos provar que as pessoas
foram rejeitadas contrariando a lei", disse um porta-voz da organização à
DW.
"É claro que houve um aumento no número
de deportações. Mas não está claro se houve casos em que um pedido de
refúgio deveria ter sido feito – pode ser que eles tenham dito que
queriam fazê-lo em outro país", afirma.
"O número [de rejeições] certamente
aumentou – havia uma política de fronteiras relativamente aberta nos
últimos anos. E a partir desses números pode-se obter a hipótese que
mais pessoas estão sendo rejeitadas", diz. "Mas com mais pessoas na
fronteira também se tem um número de rejeições relativamente alto."
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