Criado em 1995, programa de estágio já ensinou 6.742 soldados a sobreviver no ambiente hostil na região da Caatinga.
A Caatinga, ou “Mata Branca” na língua
nativa tupi, é um bioma do Brasil onde a média anual de chuvas é de 500
milímetros, semelhante aos índices pluviométricos de desertos. As
temperaturas variam entre 25°C e 27°C, enquanto o solo duro e pedregoso
pode atingir 60ºC. Nesse cenário – que cobre cerca de 11% do território
nacional – atuam 30 mil militares do Comando Militar do Nordeste (CMNE)
do Exército Brasileiro.
Em 1995, o Exército, em um esforço para
preparar os militares que servem em uma das unidades do CMNE, criou os
Estágios de Adaptação à Caatinga e os Estágios de Adaptação e Operações
na Caatinga. Desde então, são realizados anualmente sete treinamentos,
pelos quais já passaram 6.742 soldados. O estágio mais recente teve 30
participantes e ocorreu entre 14 e 20 de maio.
“Os Estágios de Adaptação têm uma única
fase, com duração de uma semana, cujo objetivo é fazer os combatentes
adquirirem conhecimentos que permitam sua sobrevivência no ambiente
rigoroso da Caatinga”, explicou o Capitão José Carlucio Gomes de Sousa
Junior, chefe da Divisão de Ensino do Centro de Instrução e Operações na
Caatinga (CIOpC).
Nos Estágios de Adaptação e Operações,
como o nome indica, os soldados completam a primeira etapa de instrução e
prosseguem por mais uma semana com exercícios operacionais. “O Comando
Militar do Nordeste tem uma vocação para as operações de Garantia da Lei
e da Ordem, quer dizer, operações que objetivam preservar a ordem
pública. ”, acrescentou o Cap Carlucio. “As atividades que colocamos
como contexto na segunda fase do estágio estão dentro dessa ideia.”
Sobrevivência na Caatinga
Em situações extremas, a sobrevivência
dos soldados na Caatinga depende de habilidades para localizar fontes de
água e alimentos, livrar-se de animais ameaçadores e abrigar-se do sol
utilizando o que o ambiente oferece – não mais do que arbustos com
poucas folhas e cactos. O CIOpC planeja sete dias de atividades para os
participantes do Estágio de Adaptação, que só é iniciado após exames
médicos para avaliar se o militar tem condições de enfrentar esforços
exaustivos.
Na aula inaugural, que é realizada na
sede da 72º Batalhão de Infantaria Motorizado, na cidade de Petrolina,
no estado de Pernambuco, os instrutores fazem uma exposição sobre as
características da região e de sua população. Os militares seguem depois
para o Parque Zoobotânico, dentro do próprio Batalhão, onde conhecem a
vegetação e animais típicos da região da Mata Branca no nordeste do
Brasil.
Os próximos seis dias de estágio ocorrem
ao ar livre, no Campo de Instrução Fazenda Tanque do Ferro, a 108
quilômetros de Petrolina. “Quando chegamos, temos de montar um abrigo
para pernoite com o material que a gente consegue encontrar no local”,
afirmou o Major Leonardo Henrique Medeiros Rodrigues, sobre sua
experiência como participante do estágio realizado em maio. “Ali a gente
vive realmente a dificuldade de estar na Caatinga, um ambiente
inóspito, onde temos de extrair água de onde é possível.”
Para obter água, vale até aproveitar as
gotas do orvalho, conta o Cap Carlucio. “A gente ensina a aproveitar a
água do orvalho, de plantas e do solo e ensinamos a filtrar essa água...
Instruímos os combatentes a se orientar por meio de mapas e a
identificar os animais que podem servir de caça, reconhecer o local onde
se alimentam e dormem. Mostramos como preparar uma armadilha para
capturar esses animais e treinamos tiros de arma de caça.”
A experiência passa ainda pela
identificação dos animais peçonhentos e répteis e por ensinamentos sobre
primeiros socorros. Além do aprendizado de técnicas de sobrevivência,
os soldados são estimulados a desenvolver habilidades mais subjetivas
conhecidas como “Conteúdos Atitudinais”. “Esses conteúdos estão
relacionados à parte afetiva do militar, por exemplo, o desenvolvimento
da autoconfiança, da coragem, da iniciativa, do equilíbrio emocional, da
liderança, da decisão, da persistência e da capacidade de adaptação a
situações de restrição”, disse o Cap Carlucio.
Treinamento para operações internacionais
Após uma semana, os militares em Estágio
de Adaptação e Operações saem da etapa de instrução e começam a etapa
de operações, quando cumprem uma série de missões de treinamento criadas
com base em situações da vida real. “Uma das missões pode ser, por
exemplo, o enfrentamento de uma situação de tráfico de drogas em que a
atuação dos órgãos de segurança pública já tenha se exaurido”, explicou o
Cap Carlucio.
Nessa fase, os participantes são
divididos em equipes e cada um assume uma função. Uma vez divulgada a
missão, as equipes têm de realizar o planejamento, preparar o material
necessário, conduzir os deslocamentos dentro da Caatinga e cumprir ações
programadas que seguem um cronograma rigoroso.
Os militares chegam a um estado de
extremo cansaço, mas o objetivo é que se mantenham raciocinando e
planejando minimamente as missões. “Eles recebem uma tarefa, que começam
em um dia e terminam no outro. Depois de um intervalo de uma ou duas
horas é iniciada uma outra missão, e assim sucessivamente, por uma
semana”, afirmou o Cap Carlucio.
A seção de doutrina e pesquisa do CIOpC
desenvolveu um fardamento especial para facilitar as ações dos militares
na Caatinga. No lugar da camuflagem em tons de verde, o uniforme da
Caatinga tem camuflagem em tons de marrom. “Tem mais a ver com a
coloração encontrada em nossa vegetação”, disse o Capitão Thyago Augusto
Rabello Fermiano, chefe da Seção de Doutrina e Pesquisa do Centro.
“Além disso, nosso uniforme recebe tratamento em couro, com várias peças
costuradas em cima do tecido, justamente para proteger o corpo do
militar do contato com espinhos, galhos secos e pedras.”
O treinamento do CIOpC é importante não
só para preparar soldados que são enviados para a Caatinga, mas aqueles
que são enviados a áreas com condições semelhantes. “A preparação dos
militares do Exército Brasileiro para atuar no ambiente operacional
semiárido faz com que o Brasil tenha condições de enviar tropas para
qualquer região com clima parecido,” disse o Cap Fermiano. “Nós estamos
muito bem treinados.”
Não por acaso, os Estágios de Adaptação e
Operações passaram a fazer parte não só da carreira dos militares que
vão servir no Comando Militar do Nordeste. “Há cinco anos, os estágios
foram autorizados também para os cadetes da Academia Militar dos Agulhas
Negras, para os alunos da Escola de Sargento das Armas, além dos alunos
do Centro de Formação de Oficiais da Reserva”, concluiu o Cap.
Carlucio.
Comentários
Postar um comentário