Presença russa objetiva muito mais do que salvar Assad. Ela é exibição de poderio militar, oportunidade de manter influência no Oriente Médio e, no âmbito das sanções econômicas, apresentar-se como parceira do Ocidente.
Os acampamentos de refugiados na
fronteira da Síria com a Turquia estão superlotados, afirmaram
organizações humanitárias. São milhares de moradores de Aleppo, cidade
no norte da Síria, que tiveram de deixar suas casas devido aos
bombardeios na região, em um conflito que já se estende por quase cinco
anos.
A chanceler federal alemã, Angela Merkel,
culpou os intensos bombardeios russos, em apoio à ofensiva terrestre do
governo sírio, pelo deslocamento dos civis. Merkel se disse "perplexa"
com o sofrimento em Aleppo. Por outro lado, o Kremlin argumentou que não
há provas de que o bombardeio russo causou vítimas.
O governo sírio teve imensos avanços nos
últimos dias em Aleppo, cidade que costumava ser a maior da Síria. A
área era majoritariamente controlada pelas forças rebeldes e, se o
governo retomá-la, o pêndulo do poder definitivamente tenderá para o
lado do regime do presidente Bashar al-Assad.
O especialista Keir Giles, do tradicional
instituto britânico Chatham House – um centro de pesquisa em relações
internacionais – diz que a última investida russa não surpreende porque o
objetivo de Moscou sempre foi fortelecer o governo de Assad. A Rússia,
porém, insiste que está apenas atacando posições terroristas.
Ao mesmo tempo que o governo sírio
começou a sua ofensiva apoiada pelo Kremlin, as conversações de paz em
Genebra, conduzidas pela ONU e destinadas a pôr um fim no conflito,
travaram antes mesmo de começar. Para os rebeldes, uma derrota em Aleppo
significaria perda de influência nas negociações com a comunidade
internacional sobre o futuro da Síria.
A ameaça do terrorismo
A Rússia justifica seu envolvimento
militar na guerra civil na Síria com a ameaça da disseminação da
violência de grupos radicais islâmicos. O presidente Vladimir Putin diz
que milhares de cidadãos russos e da antiga União Soviética se
deslocaram para a Síria para lutar ao lado de organizações terroristas
como o "Estado Islâmico" (EI).
Acredita-se que alguns dos principais
comandantes do EI são da Chechênia, região no território russo com um
forte movimento separtista. Putin reitera que essas pessoas podem ser
uma ameaça à Rússia caso regressem ao país.
A Rússia tem um histórico de ataques
terroristas, basicamente executados por grupos do Cáucaso do Norte. Em
2002, militantes radicais islâmicos fizeram reféns em um teatro de
Moscou, causando mais de cem mortes. Em 2011, 37 pessoas morreram na
explosão de uma bomba no aeroporto de Domodedovo, em Moscou.
Mais recentemente, o EI reivindicou a
autoria de um ataque a um avião de uma companhia aérea russa que voava
sobre o Egito. A ação talvez tenha elevado a determinação do governo
russo em combater o grupo na Síria.
Peso no cenário internacional
Para Giles, a intervenção da Rússia no
conflito, no entanto, vai além de simplesmente combater o terrorismo e
apresenta uma "chance para exercitar poder de projeção e usar o conflito
armado como oportunidade de treinamento".
Com a ausência de uma política ocidental
clara para Síria, a Rússia ocupou esse espaço, aumentando a importância
do seu papel no cenário internacional.
Como muitos líderes pró-Rússia no Oriente
Médio foram mortos ou depostos – o líbio Muammar Kadafi, por exemplo –
Moscou perdeu aliados fundamentais. Assim, o caso da Síria oferece à
Rússia uma oportunidade de impedir nações ocidentais de "promover
mudanças de regime no Oriente Médio".
Conforme Giles, "após a invasão do Iraque
e da Primavera Árabe, a Síria é vista como uma das poucas chances que
restam à Rússia de intervir e prevenir o colapso de um governo no
Oriente Médio, com todo o caos e instabilidade que isso implica".
O especialista Nikolai Kozhanov, do
Centro Carnegie de Moscou – um instituto de pesquisa afiliado ao
Fundação Carnegie para a Paz Internacional de Washington – concorda com
essa análise. Segundo ele, a Rússia considera que "Assad precisa
continuar sendo protagonista porque a manutenção do governo é a única
maneira de evitar a desintegração da Síria".
Posição no Mediterrâneo
A campanha russa na Síria – conduzida por
caças modernos, mísseis lançados de embarcações a milhares de
quilômetros no Mar Cáspio e o emprego do sistema de defesa antiaérea
S-400 – envia também uma mensagem clara para o mundo de que o país ainda
é uma força militar que não pode ser subestimada.
Além de novas bases militares, a Rússia
está presente, desde os tempos da União Soviética, no pequeno porto de
Tartus, no Mediterrâneo, e não quer abrir mão dessa vantagem
estratégica.
"Ao posicionar caças e bombardeiros,
tropas terrestres e um sistema avançado de defesa antiaérea na Síria, a
Rússia usa esse poderio não somente contra forças sírias, mas também
ocidentais."
Apoio a Putin
Em âmbito doméstico, a campanha militar
de Putin é acompanhada por uma incansável campanha midiática. A
televisão estatal russa – que antes concentrava suas atenções no
conflito na Ucrânia – deslocou abruptamente o seu foco assim que o país
se envolveu na guerra da Síria, mostrando imagens do poderio militar
russo.
Ao mesmo tempo em que financia uma
campanha militar cara em outro país, a Rússia enfrenta graves problemas
econômicos. A queda no preço do petróleo fez com que o rublo se
desvalorizasse em mais de 50%. Isso causou um buraco no orçamento do
país e levou à queda no padrão de vida de milhares de cidadãos. Em 2015,
a economia sofreu contração de 3,7%. O valor real dos salários caiu 10%
desde 2014.
O Kremlin, portanto, precisa despertar
apoio e inspirar o patriotismo entre a população para distraí-la da
realidade da crise econômica. A questão Síria parece vir bem a calhar.
No ano passado, uma pesquisa independente indicou que, depois do início
da campanha de mídia, o apoio aos ataques aéreos na Síria aumentou.
E a Ucrânia?
Giles diz que a campanha do Kremlin na
Síria tem sido especialmente bem sucedida em criar uma alternância.
Depois da anexação da Crimeia, em 2014, e do apoio aos separatistas no
leste da Ucrânia, a Rússia foi penalizada com sanções econômicas pelo
Ocidente. A campanha na Síria tem sido usada pelo Kremlin para sugerir
que outras potências mundiais têm de se unir à Rússia – que faz parte
das conversações de paz da ONU em Genebra – se quiserem chegar a uma
solução duradoura para a Síria.
Isso poderia ter um enorme impacto sobre
os líderes de Europa e Estados Unidos e também sobre a própria população
russa porque, segundo Giles, "agora que o centro das atenções mudou, a
anexação ilegal da Crimeia foi quase esquecida. O resultado disso é que
as sanções da União Europeia à Rússia parecem mais frágeis do que
nunca."
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