Quase um mês depois que os países mais poderosos do mundo concordaram com um roteiro ambicioso para acabar com a guerra de cinco anos na Síria, ainda não existe um acordo sobre quem vai participar das conversações de paz que devem começar em Genebra na segunda-feira (25/1).
Em vez disso, há novas preocupações que as conversas serão adiadas e, com elas, qualquer esperança de um cessar-fogo, enquanto os sírios continuam a morrer de fome e de bombardeios. A nova disputa gira em torno da questão persistente de quem deverá representar a delegação da oposição.
A Arábia Saudita quer que apenas o seu bloco rebelde, escolhido a dedo, represente a oposição ao governo do presidente Bashar al-Assad --e ameaçou retirar seus representantes se outros forem adicionados à delegação, de acordo com diplomatas da ONU.
A Rússia, que apoia o governo sírio, insiste que o bloco da oposição seja mais amplo; caso contrário, diz que o lado do governo não vai participar. "Vetos mútuos sobre quem deve ser convidado", descreveu um diplomata.
E assim, faltando apenas uma semana até as conversações, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, ainda não emitiu os convites e diz que só vai fazê-lo depois que os líderes mundiais resolverem suas diferenças sobre quem pode participar, segundo os diplomatas.
Em última instância, cabe à Organização das Nações Unidas decidir quem pode vir, e aqueles que impõem novas condições arriscam perder a chance de ter um lugar à mesa para discutir o futuro da Síria. Um porta-voz da ONU, Farhan Haq, insinuou a possibilidade de um atraso nas negociações, ou "um deslizamento" das datas.
As conversas fazem parte de um processo de paz criado com grande dificuldade, negociado pelos países com envolvimento profundo na guerra, incluindo os Estados Unidos, Rússia, Irã, Arábia Saudita e Turquia.
Em um roteiro aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU em meados de dezembro, representantes do governo e da oposição foram instruídos a discutir uma solução negociada para o conflito, incluindo um cessar-fogo e um plano para redigir uma nova Constituição e realizar eleições em 18 meses.
Na segunda-feira, Mistura disse em uma sessão fechada do Conselho de Segurança que a possibilidade de cessar-fogo permanece distante e que era importante, em vez disso, fazer com que as partes em conflito suspendessem os cercos a cidades importantes, para que alimentos e remédios pudessem alcançar a população ilhada, segundo os diplomatas.
A Organização das Nações Unidas culpou o governo da Síria por impedir que alimentos e remédios chegassem a cerca de 180 mil pessoas em áreas controladas pelos rebeldes; ela culpou uma coalizão rebelde por sitiar cerca de 12 mil pessoas e o Estado Islâmico por cercar outras 200 mil pessoas em áreas controladas pelo governo.
Relatos angustiantes de mortes por inanição surgiram da cidade controlada pelos rebeldes de Madaya nos últimos dias, o que levou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a advertir que o uso de alimentos como arma é um crime de guerra.
Ressaltando a urgência da situação, um grupo de monitoramento do conflito informou na segunda-feira que o Estado Islâmico tinha ocupado um território das forças do governo perto da cidade oriental estratégica de Deir al-Zour, e noticiários estatais disseram que 300 pessoas tinham morrido no ataque.
O grupo de monitoramento, Observatório Sírio para Direitos Humanos, disse que não havia notícias sobre o paradeiro de um grupo de cerca de 400 pessoas, abduzido quando o ataque começou no sábado.
Em entrevista por telefone após a reunião com o Conselho de Segurança, Mistura insistiu que os lados em conflito precisavam primeiro tomar medidas para reforçar a confiança mútua, antes que pudessem abordar a ideia de uma trégua mais ampla.
"Um cessar-fogo nacional continua a ser o objetivo fundamental, mas por outro lado é evidente que os lados em conflito ainda não estão prontos para isso", disse ele por telefone de Genebra.
Ele pediu "melhorias gradativas e constantes na redução da violência até que as negociações produzam um ambiente para um cessar-fogo nacional".
Não é de surpreender o surgimento de novas discordâncias sobre quem deverá se sentar à mesa da oposição. Em meados de dezembro, houve negociações intensas sobre precisamente quanta influência a Arábia Saudita teria na determinação do bloco de oposição.
As autoridades em Riad tinham convocado uma conferência de líderes rebeldes no mesmo mês, de forma a reunir uma ampla gama de grupos de oposição para participar de negociações políticas.
A conferência produziu um novo bloco de dissidentes políticos e de grupos rebeldes que combatem o governo, e deveria para enviar um sinal para a Rússia e o Irã, principais apoiadores do governo, que a oposição estava dividida demais para ser confiável na hora de fechar um acordo.
A delegação patrocinada pelos sauditas, no entanto, não incluía os rebeldes curdos que a Rússia, em particular, insiste que sejam representados na mesa da oposição.
A questão de quem deve se sentar à mesa é tão importante quanto outra nuvem que vem pairando sobre as negociações: a questão do que acontece com Assad. Essa foi adiada para o final da estrada.
A delegação do governo, de acordo com um diplomata que --como outros que discutiram as conversações de Genebra-- pediu anonimato para falar sobre as negociações sensíveis, deve ser conduzida por uma pessoa muitos veem como uma figura polarizadora: Bashar al-Jaafari, embaixador da Síria nas Nações Unidas.
Não se espera que os dois lados conversem diretamente entre si. Na melhor das hipóteses, representantes governamentais e rebeldes devem se reunir em salas separadas no edifício da ONU em Genebra, com Mistura fazendo o vai e vem.
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