Há 50 anos, durante poucos meses, a Tchecoslováquia vislumbrou um socialismo compatível com a liberdade de opinião. Tropas soviéticas esmagaram esse sonho. E sombras da repressão da Cortina de Ferro perduram até hoje.
Meio milhão de soldados tendo à frente os tanques do Exército soviético: na noite de 20 para 21 de agosto de 1968, tropas do Pacto de Varsóvia deram fim à "Primavera de Praga" sob ordens do Partido Comunista em Moscou. Terminava assim o sonho de um socialismo no Leste Europeu baseado na liberdade, sobretudo na de opinião.
O ano de 1968 havia começado com jornalistas da Tchecoslováquia ignorando a censura do PC nacional. Alexander Dubcek, líder do partido desde janeiro daquele ano, permitiu que o fizessem. Ele apostava num socialismo livre e democrático, na esperança de que Moscou admitisse a opção de Praga – até porque os comunistas tchecos queriam permanecer no Bloco Oriental dominado pelos soviéticos. Mas no fim venceu o medo de que mais liberdade em Praga ameaçasse o domínio dos Partidos Comunistas dos países vizinhos.
Hoje com 82 anos, Roland Berauer lembra que passou aquela noite numa tenda de escoteiros na área de eventos de Praga, rio Moldávia acima. "Nós vimos os carros blindados passarem por nós em direção ao centro." Ele se associara como fotógrafo ao jornal de escoteiros Nepokorena, que só graças à Primavera de Praga podia publicar livremente.
A redação era uma barraca, com máquina de escrever, impressora e câmera fotográfica. Berauer informou o grupo sobre a invasão das tropas e aconselhou que se escondessem as máquinas da redação. "A mim, só restou guardar minha câmera e ir para a cidade."
Ele fotografou o dia da ocupação pelos soldados do Pacto de Varsóvia. Houve um tiroteio diante do prédio da estação de rádio, ele escapou para uma loja de tintas, mas manifestantes foram alvejados pelos soviéticos. "Foi terrível." Poucos meses mais tarde, Dubcek, o reformador na liderança do PC, era deposto.
A lembrança desse dia se faz sentir até hoje na República Tcheca, observa Ondrej Matejka, vice-diretor do Instituto de Pesquisa do Totalitarismo em Praga, parceiro direto da BStU, a agência alemã responsável pelos arquivos do Stasi, a polícia secreta da RDA, a Alemanha comunista.
"O ano de 1968 continua sendo narrado como esse choque emocional relacionado à ocupação. Esse 21 de agosto e os dias após, em que as pessoas conseguiram se defender passivamente, em que realmente ficaram coesas como sociedade, foi uma coisa muito, muito forte."
Para o historiador, a análise dos acontecimentos de 1968 não perdeu nem um pouco sua atualidade. Até porque continuam sempre aparecendo novos dossiês, tanto nos arquivos do antigo departamento de segurança estatal da Tchecoslováquia quanto dos antigos países-irmãos socialistas.
Sobretudo a Stasi, da Alemanha Oriental, observava atentamente as reformas em Praga desde o começo de 1968, coletando fotos e relatórios de colaboradores informais.
"É a primeira vez que se documenta o serviço secreto de uma nação amiga dar-se o direito de monitorar também os cidadãos de outro país", comenta o arquivista Oliver Strübing, da BStU, que estudou mais de mil fotos dos eventos em Praga.
Mais ainda: após a repressão da Primavera de Praga, os agentes da RDA ofereceram seus serviços à liderança tchecoslovaca. E, de fato, nas duas décadas seguintes, todos os serviços secretos do Bloco do Leste apostaram em informantes para assegurar o domínio dos partidos comunistas.
Historiadores de ambas as capitais da ex-Tchecoslováquia – Praga e Bratilslava – estão convencidos de que as sombras dessa época se estendem até os dias de hoje.
Em 2017, eles publicaram pela primeira vez dossiês sugerindo que desde 1982 o atual primeiro-ministro tcheco, Andrej Babis, teria sido colaborador não oficial do serviço secreto tchecoslovaco. Ele rebate as acusações na Justiça, porém sua queixa contra os historiadores foi rejeitada.
"Babis repete continuamente a palavra 'mentira'", comenta Petr Pithart, ex-premiê da República Tcheca independente, no período de transição de 1990 a 1992, e colaborador próximo do presidente da virada política, Václav Havel.
Ele conta que o atual premiê trabalhou no comércio externo da Tchecoslováquia socialista, e após a queda da Cortina de Ferro usou usas conexões para desenvolver uma bem-sucedida carreira empresarial. Na eleição de 2017, após uma campanha de tons populistas, o partido do multimilionário se consagrou o mais forte do país.
Pithart não acredita que Andrej Babis consiga sair incólume das acusações de ter colaborado com a polícia secreta. Por sua vez, o historiador vê a questão de modo autocrítico: "O fato de termos agora um primeiro-ministro que foi informante tem mais a ver com o tipo de análise do passado que fizemos nos últimos 30 anos, e aí tem muito que deixamos de fazer."
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