Dependência de investimentos externos, inflação de dois dígitos, intromissão do governo no Banco Central e crise nas relações com os EUA geram dúvidas sobre como país sairá da crise monetária.
A moeda da Turquia, a lira, foi negociada no seu menor valor na história nesta segunda-feira (13/08), derrubada por preocupações de investidores com a política econômica do presidente Recep Tayyip Erdogan e uma disputa comercial e diplomática com os Estados Unidos.
A lira caiu cerca de 7% num único dia, elevando sua desvalorização acumulada em 2018 para 45%. Nesta terça-feira, recuperou-se um pouco, subindo cerca de 5%.
A crise monetária tem despertado temores de contágio em outros mercados emergentes. Entenda as principais razões para a turbulência e como ela pode afetar o restante do mundo.
Por que a moeda da Turquia está tão fraca?
Um dos motivos para a queda da lira é o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos, o que acaba atraindo o dinheiro de investidores que haviam optado por economias emergentes, como a Turquia.
As taxas de juro ultrabaixas nos EUA e na Europa também encorajaram, por muitos anos, empresas na Turquia a fazer empréstimos em moeda estrangeira, contribuindo para um crescimento de 7% da economia turca no ano passado. Porém, o cenário mudou, e o Banco Central americano, o Federal Reserve, está elevando gradualmente as taxas de juros.
Com isso, o capital acaba fugindo da Turquia, o que, por consequência, enfraquece a lira. Além disso, as dívidas em moeda estrangeira das empresas turcas ficam mais caras e, portanto, mais difíceis de pagar, gerando apreensão nos mercados financeiros.
Qual a situação da economia da Turquia?
A economia turca já há muitos anos tem dado sinais de superaquecimento. A inflação chegou a 15,9% anuais em junho.
O país tem registrado ainda um grande déficit comercial, pois importa mais do que exporta, além de depender de investimentos e empréstimos externos. Esse déficit pode enfraquecer uma moeda, principalmente se o dinheiro dos investimentos estrangeiros diminuir ou parar de entrar no país.
Analistas afirmam que a crise reflete a recusa da Turquia em elevar as taxas de juros para combater a inflação de dois dígitos e desaquecer a economia.
Com o enfraquecimento da moeda, investidores podem retirar seu dinheiro do mercado financeiro turco. Para fazer isso, precisam vender liras, o que enfraquece ainda mais a moeda.
O problema vai além da economia?
Sim, a política também tem influenciado a situação da Turquia. Pronunciamentos de Erdogan pedindo que o Banco Central do país não eleve as taxas de juros acabaram acentuando a queda da libra.
Erdogan descarta que a situação da economia seja a causa do enfraquecimento da lira com o argumento de que a Turquia está sendo alvo de uma guerra econômica.
Elevar a taxa de juros é a principal ferramenta dos bancos centrais para combater a inflação e proteger uma moeda, embora venha com o efeito colateral de desacelerar o crescimento.
O Banco Central da Turquia decidiu não elevar os juros apesar de repetidos pedidos de empresas e da recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), o que levou à perda de confiança por investidores.
Erdogan causou ainda mais desconfiança ao nomear seu genro ministro das Finanças.
E quanto à disputa com os EUA?
As relações da Turquia com os EUA , aliados na Otan, estão desgastadas por uma série de motivos, que incluem interesses divergentes na Síria, o plano de Ancara de comprar sistemas de defesa da Rússia, a detenção na Turquia do pastor evangélico americano Andrew Brunson e o asilo nos Estados Unidos do clérigo Fethullah Gülen, que Erdogan acusa de estar por trás do golpe de Estado fracassado de 2017.
O caso do pastor, acusado de espionagem e de atuar em conluio com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), levou os EUA a impor sanções aos ministros do Interior e da Justiça da Turquia, Suleyman Soylu e Abdulhamit Gul, que foram acusados de ter desempenhado um papel ativo na prisão.
Além disso, o presidente Donald Trump tornou a situação mais tensa na sexta-feira passada, quando afirmou que sua administração dobraria as tarifas alfandegárias sobre o aço e alumínio da Turquia.
A lira sofreu com o anúncio de Trump, já que os EUA foram o maior mercado de exportação do aço turco em 2017, embora as remessas tenham caído desde então.
Por que a queda da lira é um problema?
Com a desvalorização da moeda, empresas e bancos que têm suas receitas em lira e suas dívidas em dólares ou euros têm mais dificuldades para arcar com seus compromissos financeiros, elevando a possibilidade de falências que poderiam afetar toda a economia turca. O aumento do preço de produtos importados também tem impacto no custo de vida dos turcos.
Quais os efeitos para além da Turquia?
O mercado financeiro teme a possibilidade de bancos europeus sofrerem perdas com seus empréstimos na Turquia, o que levou o euro a cair para uma cotação mínima em 13 meses na sexta-feira. Ações de bancos também recuaram.
Um dos bancos mais afetados é o espanhol BBVA, que tem 31% de seu lucro antes de impostos proveniente da Turquia. Outros bancos, como UniCredit, BNP, ING e HSBC, têm filiais menores no país.
A União Europeia é o maior parceiro comercial da Turquia e está preocupada por conta da sua dependência do país para restringir o fluxo de migrantes do Oriente Médio.
Também há temores de que a situação possa respingar em outros mercados emergentes por afetar a confiança de investidores nessas economias. Contudo, ainda não houve turbulência expressiva em outros emergentes.
Segundo o economista Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia, nos EUA, a economia brasileira está relativamente blindada para o que está ocorrendo na Turquia.
Como combater o problema?
Erdogan poderia pedir ajuda do FMI e impor limites a transferências de dinheiro para o exterior, mas ainda não deu sinais de que vá tomar essas medidas.
Nesta segunda-feira, a Turquia anunciou uma série de medidas para conter a forte desvalorização da lira, incluindo a injeção de 6 bilhões de dólares no sistema financeiro do país para garantir a liquidez dos bancos.
O anúncio desapontou o mercado financeiro, pois não incluía a promessa de elevar a taxa de juros.
Erdogan também pediu que os turcos convertam seus euros e dólares em liras nos bancos do país. "Isso é uma luta doméstica e nacional", disse.
O presidente turco lançou vários ataques verbais ao governo dos EUA e tem adotado uma postura combativa, o que deixa em aberto como o país sairá da crise. Erdogan disse que os EUA querem "esfaquear pelas costas" a Turquia por meio de medidas econômicas, apesar de ambos serem aliados.
Ele afirmou ainda que a Turquia boicotará produtos eletrônicos feitos nos EUA, como o iPhone, e começaria a comprar produtos da Samsung, feitos na Coreia, ou da marca turca Vestel.
"Situação brasileira é diferente da turca"
A crise monetária na Turquia, que já derrubou o valor da lira em relação ao dólar em 40% neste ano, gerou temores de que poderia haver um efeito dominó em outros mercados emergentes, como o Brasil.
A turbulência na Turquia, que há anos sofre com crescente déficit em conta corrente e no comércio exterior, é atribuída à crescente inflação, a excessos de intervenção do governo Recep Tayyip Erdogan na economia e às tensões com os Estados Unidos. Seus efeitos já respingam em outros países emergentes.
Nesta segunda-feira (13/08), a cotação do real chegou a passar de 3,90 frente ao dólar. A preocupação em relação à Turquia foi sentida também nos mercados europeus e asiáticos.
Em entrevista à DW, o economista Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia, nos EUA, vê o impacto no mercado brasileiro como passageiro. Segundo ele, o momento econômico é de congelamento até a primeira segunda-feira pós-eleição, e a economia brasileira está relativamente blindada para o que está ocorrendo na Turquia.
DW: A instabilidade da economia turca teve um reforço negativo na semana passada, quando o presidente americano, Donald Trump, anunciou que iria dobrar as taxas de aço e alumínio da Turquia. Desde então, diversas bolsas operaram em queda. Isso deve continuar?
Marcos Troyjo: A imposição de sobretaxas dos EUA sobre aço e alumínio é algo que afetou muitos países. Mas a queda da economia turca não começou agora e não é só por causa das taxações dos EUA, é bom deixar claro. Há um fator geopolítico na situação turca que é mais grave, pois o governo Erdogan tomou diversas atitudes centralizadoras e isso afeta o humor de investidores internacionais. A sobretaxa da semana passada anunciada por Trump no Twitter foi apenas o torresminho do paciente que já estava com pressão alta há algum tempo.
No Brasil o movimento foi semelhante, com alta do dólar já na sexta-feira e agora novamente na segunda. Qual o impacto dessa crise no mercado brasileiro?
Todos os mercados caíram por causa dessa situação da Turquia. Existe uma apreensão natural sobre a possibilidade de a reforma tributária dos EUA provocar uma retração de investimentos, principalmente o capital de curto prazo, em economias emergentes. Mas o Brasil tem uma situação diferente em comparação com a Turquia, pois hoje temos cerca de 400 bilhões de dólares em reservas.
E isso diante das incertezas sobre as eleições de outubro...
Costumo dizer que o momento econômico brasileiro é de congelamento até a primeira segunda-feira pós-eleição. Há um tipo de investidor maior que já define antes o que vai fazer, mas os pequenos não. Tudo depende do tipo de governante que vamos escolher. Pode ser um com visão mais estatal sobre a formação de demanda ou outro mais liberal que vê reformas importantes como prioridade. Dependendo do vencedor, podemos ter um cenário muito positivo no mercado internacional, principalmente entre a eleição e janeiro, quando a expectativa do investidor deve crescer bastante sobre o novo governo.
Qual seria o caminho de uma retomada da economia já após a eleição?
O Brasil pode aproveitar esse cenário de guerra de sobretaxas e fazer negócios importantes em commodities agrícolas e minerais. Acredito que se tudo correr bem, o dólar deve ficar entre R$ 3,50 e R$ 3,70 já nos primeiros trimestres de 2019.
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