Análise das despesas do Ministério da Justiça revela que, enquanto o governo federal reduziu em 10% os gastos federais com segurança pública em 2016, aumentou em 73% as despesas com a Força Nacional - tropa de choque que ganhou espaço como protagonista das ações do governo Michel Temer no combate à violência.
Dados que serão divulgados hoje na 11ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que houve queda nos aportes federais nas principais responsabilidades da União na área: caíram as despesas com a Polícia Federal, com a polícia rodoviária, e até com o Fundo Nacional de Segurança Pública, principal instrumento indutor de investimentos em segurança nos Estados.
Já as despesas com a Força Nacional aumentaram e passaram para R$ 319 milhões em 2016, ante R$ 184,1 milhões em 2015, em dados corrigidos pela inflação. Além disso, quadruplicou no ano passado o número de pessoas mobilizado para integrar a tropa.
Historicamente mantida em torno de 2 mil profissionais, a Força Nacional chegou a 8.178 no ano passado. O Ministério da Justiça atribui a alta à demanda pontual para a segurança da Olimpíada do Rio no ano passado, mas o montante gasto com a Força Nacional, no entanto, é o dobro do que foi gasto em 2014, ano em que a Copa do Mundo ocorreu em 12 cidades-sedes.
Naquele ano, a União gastou R$ 152 milhões e mobilizou 2.237 profissionais. Especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ouvidos pelo Valor criticam a elevação de gastos na Força Nacional, criada para ser emergencial.
Na prática, a aposta cria uma "terceira polícia", bem mais cara que as civil e militar, e que desincentiva ainda mais a carreira dos policiais locais. "Você está criando uma outra força policial que não existe na Constituição", afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum.
Segundo ela, em um cenário em que os gastos públicos estão limitados pelos próximos 20 anos, aumentar essa despesa é absurdo e pouco eficiente. Evidencia, diz Samira, que o governo não tem uma política de segurança pública, em um momento em que todos os indicadores de violência e criminalidade pioraram. "Gastamos mais com a Força em um momento em que há policiais sem receber salário."
No total, as despesas da União em segurança pública somaram R$ 8,8 bilhões em 2016, 10,3% a menos que no ano anterior, em números atualizados pelo Índice Nacional de Preços Amplos ao Consumidor (IPCA). Juntos, União, Estados e municípios investiram R$ 81,2 bilhões na área, queda de 2,6% sobre 2015.
Houve retração também nos gastos dos Estados, principais financiadores da segurança no país e a quem a Constituição atribui a responsabilidade pelo financiamento e gestão das polícias militar e civil: foram R$ 67,3 bilhões no ano passado, 1,7% a menos que em 2015.
Só os municípios se mantiveram estáveis, com alta de 0,6%, para R$ 5,1 bilhões. "Os dados mostram uma situação muito complicada para os Estados", afirma Samira. Para ela, para que a Força Nacional tenha recebido mais recursos, áreas importantes perderam, inclusive as polícias que, conforme definido na Constituição, dependem do Orçamento da União.
No caso da Polícia Federal, por exemplo - que em junho suspendeu a emissão de novos passaportes por "insuficiência de orçamento" -, a União cortou em 5,2% as despesas, que caíram a R$ 5,7 bilhões. O mesmo ocorreu com a Polícia Rodoviária Federal, cujas despesas baixaram para R$ 3,5 bilhões em 2016, queda de 4,8% ante 2015.
O orçamento da Funai encolheu em 9,1%, para R$ 533 milhões. O Fundo Nacional de Segurança Pública, principal instrumento de apoio federal aos Estados em investimentos como reequipamento, treinamento e qualificação das polícias, encolheu para R$ 313 milhões - 23% menos que o patamar de 2015.
O envio da Força Nacional também representa uma maneira menos transparente de dividir recursos entre os Estados, na visão do professor da Universidade de Brasília (UNB) Arthur Trindade Maranhão Costa, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal em 2015.
"A Força Nacional é um recurso público e custa muito dinheiro. E onde tem sido empregada? No Rio e em alguns poucos Estados", afirma. Segundo ele, se fossem aplicados recursos federais no Fundo Nacional de Segurança Pública, criado especialmente para este fim, todos os Estados e a sociedade saberiam com mais transparência quem está recebendo mais repasses.
"A lei que rege o fundo nacional estabelece teto de gastos para cada Estado para equilibrar isso. Na prática, você está sobrefinanciando a segurança pública de dois, três Estados e deixando os outros todos chupando o dedo", critica. Costa também destaca que é grave para os Estados a queda de 10% nos gastos federais em segurança, já que os orçamentos estaduais são comprometidos pelo pagamento de salários e aposentadoria das polícias, bem como custeio.
"Reduzir gastos da União em segurança significa reduzir investimento nos Estados", afirma o professor da UNB. No site do Ministério da Justiça, a Força Nacional é descrita como um programa de cooperação criado para executar apenas atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública, como foram, na visão de especialistas, a greve dos policiais do Espírito Santo, que resultou na paralisação de serviços públicos de saúde.
Criada em 2007 por uma lei sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Força Nacional é composta por policiais militares, civis, bombeiros e peritos de todos os Estados, treinados especialmente para missões temporárias.
Enquanto cedidos pelos Estados, eles continuam recebendo seus salários, somados a um incentivo financeiro: as diárias de viagem para cada missão, pagas pelo governo federal e que variam de R$ 200 a R$ 600 por dia - algo entre R$ 6,5 mil e R$ 18 mil mensais, bem mais do que ganham os policiais civis e militares.
"Em geral, a presença de cem homens que chegam com salários maiores e status de 'super-heróis' faz pouca diferença, e é desmotivadora para os policiais que cuidam da segurança do Estado ao longo do ano", afirma José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, ex-secretário nacional de Segurança Pública e membro do fórum.
"Os policiais do Estado hostilizam abertamente a Força Nacional, não colaboram, chamam de 'Liga da Justiça' ", relata o coronel. Para ele, a convocação da Força para ações de policiamento é humilhante para as corporações locais, que entendem que o Estado não confia na sua capacidade de resolver problemas.
"E trazem policiais que ganham, em uma semana, o que eles ganham em um mês". O aumento da Força Nacional está previsto no Plano Nacional de Segurança Pública, anunciado em fevereiro pelo então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, atualmente ministro do STF.
No ano passado, o governo permitiu, por meio de medida provisória, a convocação de policiais e bombeiros aposentados há menos de cinco anos para compor a Força. O coronel diz que o efeito da Força Nacional é muito limitado e defende que seria mais eficiente para o combate ao crime repassar recursos para que os Estados criassem suas forças estaduais especializadas.
"Mais eficiente seria dar uma gratificação de R$ 1 mil aos policiais por armas apreendidas", sugere. O Ministério da Justiça afirmou, meio de sua assessoria, que desde o fim do ano passado houve uma desmobilização progressiva da Força e, em 2017, o contingente gira em torno de 2 mil a 2,4 mil homens.
Diz também que os 8 mil profissionais nunca estiveram mobilizados ao mesmo tempo, apesar do crescimento do pagamento de diárias. Atualmente, a Força Nacional mantém 15 operações em 10 Estados, sendo a maior no Rio, com cerca de 600 componentes.
Afirma, ainda, que todo o material adquirido para a Força foi repassado aos Estados, ou continua sendo usado em outras ações. "Politicamente falando, o envio da Força Nacional é a atividade do Ministério da Justiça na área de segurança com mais visibilidade e apelo eleitoral.
Repassar recurso para o programa Ceará Seguro, ou para o Mato Grosso Seguro, dá menos, mas enviar cem policiais sai nos jornais, na TV", afirma Costa, da UNB. Para ele, financiar a segurança precisa deixar de ser um drama só dos Estados. "Faz sentido a União manter uma Força Nacional desse tamanho para tentar substituir a polícia? Não, não faz", diz.
Dados que serão divulgados hoje na 11ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que houve queda nos aportes federais nas principais responsabilidades da União na área: caíram as despesas com a Polícia Federal, com a polícia rodoviária, e até com o Fundo Nacional de Segurança Pública, principal instrumento indutor de investimentos em segurança nos Estados.
Já as despesas com a Força Nacional aumentaram e passaram para R$ 319 milhões em 2016, ante R$ 184,1 milhões em 2015, em dados corrigidos pela inflação. Além disso, quadruplicou no ano passado o número de pessoas mobilizado para integrar a tropa.
Historicamente mantida em torno de 2 mil profissionais, a Força Nacional chegou a 8.178 no ano passado. O Ministério da Justiça atribui a alta à demanda pontual para a segurança da Olimpíada do Rio no ano passado, mas o montante gasto com a Força Nacional, no entanto, é o dobro do que foi gasto em 2014, ano em que a Copa do Mundo ocorreu em 12 cidades-sedes.
Naquele ano, a União gastou R$ 152 milhões e mobilizou 2.237 profissionais. Especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ouvidos pelo Valor criticam a elevação de gastos na Força Nacional, criada para ser emergencial.
Na prática, a aposta cria uma "terceira polícia", bem mais cara que as civil e militar, e que desincentiva ainda mais a carreira dos policiais locais. "Você está criando uma outra força policial que não existe na Constituição", afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum.
Segundo ela, em um cenário em que os gastos públicos estão limitados pelos próximos 20 anos, aumentar essa despesa é absurdo e pouco eficiente. Evidencia, diz Samira, que o governo não tem uma política de segurança pública, em um momento em que todos os indicadores de violência e criminalidade pioraram. "Gastamos mais com a Força em um momento em que há policiais sem receber salário."
No total, as despesas da União em segurança pública somaram R$ 8,8 bilhões em 2016, 10,3% a menos que no ano anterior, em números atualizados pelo Índice Nacional de Preços Amplos ao Consumidor (IPCA). Juntos, União, Estados e municípios investiram R$ 81,2 bilhões na área, queda de 2,6% sobre 2015.
Houve retração também nos gastos dos Estados, principais financiadores da segurança no país e a quem a Constituição atribui a responsabilidade pelo financiamento e gestão das polícias militar e civil: foram R$ 67,3 bilhões no ano passado, 1,7% a menos que em 2015.
Só os municípios se mantiveram estáveis, com alta de 0,6%, para R$ 5,1 bilhões. "Os dados mostram uma situação muito complicada para os Estados", afirma Samira. Para ela, para que a Força Nacional tenha recebido mais recursos, áreas importantes perderam, inclusive as polícias que, conforme definido na Constituição, dependem do Orçamento da União.
No caso da Polícia Federal, por exemplo - que em junho suspendeu a emissão de novos passaportes por "insuficiência de orçamento" -, a União cortou em 5,2% as despesas, que caíram a R$ 5,7 bilhões. O mesmo ocorreu com a Polícia Rodoviária Federal, cujas despesas baixaram para R$ 3,5 bilhões em 2016, queda de 4,8% ante 2015.
O orçamento da Funai encolheu em 9,1%, para R$ 533 milhões. O Fundo Nacional de Segurança Pública, principal instrumento de apoio federal aos Estados em investimentos como reequipamento, treinamento e qualificação das polícias, encolheu para R$ 313 milhões - 23% menos que o patamar de 2015.
O envio da Força Nacional também representa uma maneira menos transparente de dividir recursos entre os Estados, na visão do professor da Universidade de Brasília (UNB) Arthur Trindade Maranhão Costa, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal em 2015.
"A Força Nacional é um recurso público e custa muito dinheiro. E onde tem sido empregada? No Rio e em alguns poucos Estados", afirma. Segundo ele, se fossem aplicados recursos federais no Fundo Nacional de Segurança Pública, criado especialmente para este fim, todos os Estados e a sociedade saberiam com mais transparência quem está recebendo mais repasses.
"A lei que rege o fundo nacional estabelece teto de gastos para cada Estado para equilibrar isso. Na prática, você está sobrefinanciando a segurança pública de dois, três Estados e deixando os outros todos chupando o dedo", critica. Costa também destaca que é grave para os Estados a queda de 10% nos gastos federais em segurança, já que os orçamentos estaduais são comprometidos pelo pagamento de salários e aposentadoria das polícias, bem como custeio.
"Reduzir gastos da União em segurança significa reduzir investimento nos Estados", afirma o professor da UNB. No site do Ministério da Justiça, a Força Nacional é descrita como um programa de cooperação criado para executar apenas atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública, como foram, na visão de especialistas, a greve dos policiais do Espírito Santo, que resultou na paralisação de serviços públicos de saúde.
Criada em 2007 por uma lei sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Força Nacional é composta por policiais militares, civis, bombeiros e peritos de todos os Estados, treinados especialmente para missões temporárias.
Enquanto cedidos pelos Estados, eles continuam recebendo seus salários, somados a um incentivo financeiro: as diárias de viagem para cada missão, pagas pelo governo federal e que variam de R$ 200 a R$ 600 por dia - algo entre R$ 6,5 mil e R$ 18 mil mensais, bem mais do que ganham os policiais civis e militares.
"Em geral, a presença de cem homens que chegam com salários maiores e status de 'super-heróis' faz pouca diferença, e é desmotivadora para os policiais que cuidam da segurança do Estado ao longo do ano", afirma José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, ex-secretário nacional de Segurança Pública e membro do fórum.
"Os policiais do Estado hostilizam abertamente a Força Nacional, não colaboram, chamam de 'Liga da Justiça' ", relata o coronel. Para ele, a convocação da Força para ações de policiamento é humilhante para as corporações locais, que entendem que o Estado não confia na sua capacidade de resolver problemas.
"E trazem policiais que ganham, em uma semana, o que eles ganham em um mês". O aumento da Força Nacional está previsto no Plano Nacional de Segurança Pública, anunciado em fevereiro pelo então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, atualmente ministro do STF.
No ano passado, o governo permitiu, por meio de medida provisória, a convocação de policiais e bombeiros aposentados há menos de cinco anos para compor a Força. O coronel diz que o efeito da Força Nacional é muito limitado e defende que seria mais eficiente para o combate ao crime repassar recursos para que os Estados criassem suas forças estaduais especializadas.
"Mais eficiente seria dar uma gratificação de R$ 1 mil aos policiais por armas apreendidas", sugere. O Ministério da Justiça afirmou, meio de sua assessoria, que desde o fim do ano passado houve uma desmobilização progressiva da Força e, em 2017, o contingente gira em torno de 2 mil a 2,4 mil homens.
Diz também que os 8 mil profissionais nunca estiveram mobilizados ao mesmo tempo, apesar do crescimento do pagamento de diárias. Atualmente, a Força Nacional mantém 15 operações em 10 Estados, sendo a maior no Rio, com cerca de 600 componentes.
Afirma, ainda, que todo o material adquirido para a Força foi repassado aos Estados, ou continua sendo usado em outras ações. "Politicamente falando, o envio da Força Nacional é a atividade do Ministério da Justiça na área de segurança com mais visibilidade e apelo eleitoral.
Repassar recurso para o programa Ceará Seguro, ou para o Mato Grosso Seguro, dá menos, mas enviar cem policiais sai nos jornais, na TV", afirma Costa, da UNB. Para ele, financiar a segurança precisa deixar de ser um drama só dos Estados. "Faz sentido a União manter uma Força Nacional desse tamanho para tentar substituir a polícia? Não, não faz", diz.
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