Polônia: ameaçada de golpe silencioso
Ao ser divulgada, a composição do
gabinete da recém-eleita primeira-ministra da Polônia, Beata Szydo ,
despertou surpresa, sobretudo devido a dois postos. O primeiro é o do
ministro da Defesa: Antoni Macierewicz é considerado um político linha
dura, voltado para Moscou – da mesma forma que Jarosaw Kaczyski, o líder
do partido governista Lei e Justiça (PiS).
Durante sua campanha, a premiê prometera
que Macierewicz não faria parte de seu governo por temer que ele
espantaria grande parte do eleitorado conservador moderado. Apesar
disso, foi escolhido.
O ministro da Defesa vem, por exemplo,
divulgando teorias da conspiração em torno da morte de diversos
políticos poloneses de alto escalão numa queda de avião, em 10 de abril
de 2010. Entre as vítimas encontrava-se o então presidente, Lech
Kaczyski , irmão do líder partidário Jaro?aw.
Decisão presidencial ilegítima
O outro posto em questão no gabinete de
Szydo é o do coordenador dos serviços de inteligência, ocupado por
Mariusz Kamiski. Em março último, o antigo diretor do departamento
anticorrupção CBA havia sido condenado em primeira instância a três anos
de prisão por abuso do cargo, ficando, consequentemente, também
impedido de ocupar qualquer posto público.
Isso não impediu Szydo de escolhê-lo para
coordenar o serviço secreto nacional. E, logo em seguida, Kamiski
recebeu indulto presidencial. Críticos temem que o procedimento sem
precedentes do presidente Andrzej Duda encoraje outros funcionários a
apoiarem um partido que lhes garante tanto imunidade como impunidade em
ações ilegais.
Para o especialista Piotr Kadoczny, da
Fundação Helsinque de Direitos Humanos, a iniciativa de Duda é
ilegítima: "O presidente pode anistiar alguém condenado nos termos da
lei, mas não um réu. E tampouco pode fazer com que um tribunal suspenda
um processo ulterior."
Judiciário como instrumento político
Neste ínterim, juízes do tribunal de
apelação de Varsóvia divulgaram uma resolução em que declaram ser
inadmissível o uso da Justiça como instrumento político. Evocando a
divisão de poderes, o grêmio argumenta: "O Judiciário e o Executivo não
podem concorrer entre si, e o presidente não pode exonerar a Justiça de
seus deveres constitucionais."
No entanto, no futuro também serão outros
juízes a decidir o que está ou não de acordo com a Constituição
polonesa. Poucos dias após a posse do novo Parlamento, o PiS fez passar
por ambas as câmaras legislativas uma emenda que também alinhará a
Justiça constitucional com a política do governo.
Numa sessão noturna, os deputados e
senadores deliberaram que os cinco juízes constitucionais recém-nomeados
serão substituídos numa nova eleição. Para passar a emenda, o partido
governista garantiu a maioria necessária de dois terços com a ajuda da
bancada do partido de direita Kukiz'15.
Para isso não foram consultados quaisquer
juristas especializados, e todas as alterações propostas ao projeto
original foram rejeitadas. A oposição classificou a manobra como um
"deplorável golpe de Estado contra o Tribunal Constitucional" e
abandonou o plenário antes da votação.
"É muito inquietante a forma como
procedem os novos dirigentes. Depois de terem assegurado a maioria
parlamentar e ocupado o posto do presidente, parece que querem subjugar o
Tribunal Constitucional. Isso seria fatal: a corte suprema é o respaldo
da judicatura", alertou Kadoczny, da Fundação Helsinque.
Nova lei afeta autonomia da corte constitucional da Polônia
O parlamento da Polônia aprovou nesta
terça-feira (23/12) uma controversa legislação que regulamenta o
funcionamento do tribunal constitucional do país. A oposição afirma que
as novas regras são uma tentativa de neutralizar a corte, um dos poucos
organismos que ainda podem controlar o enorme poder do governista
Partido da Justiça (PiS).
A legislação foi facilmente aprovada, com
235 votos a favor e 181 contra, devido à maioria parlamentar que o PiS
detém na câmara baixa. A aprovação na câmara alta, onde o partido também
tem maioria, deverá igualmente ser rápida. O presidente Andrzej Duda,
que apoia o governo, também deverá dar o seu aval.
Pela nova lei, decisões do tribunal
necessitam de uma maioria de dois terços, contrariando a regra anterior
de maioria simples. Segundo críticos, é praticamente impossível que
questões controversas obtenham uma maioria de dois terços, o que
impediria o tribunal de barrar leis polêmicas.
Outra mudança determina que os casos
sejam analisados por 13 dos 15 magistrados da corte, em vez de apenas
cinco para casos mais simples e nove para os demais. Críticos afirmam
que, assim, a corte poderá se ocupar de menos casos, o que emperra o
andamento da Justiça.
A lei prevê também um prazo obrigatório
de três a seis meses, desde a entrada de uma ação na corte até o
veredicto. O prazo anterior era de duas semanas.
A aprovação da nova legislação sobre o funcionamento do tribunal constitucional é mais um round na batalha entre o PiS e a corte, que se iniciou logo depois de o partido conservador chegar ao poder, em outubro.
Pouco depois de sua vitória eleitoral, o
PiS, com base numa nova lei aprovada pelos parlamentares do partido,
indicou cinco juízes para o tribunal constitucional, se recusando a
reconhecer nomeações anteriores feitas pelo Parlamento, quando o partido
liberal Plataforma Cívica (PO) estava no poder. Mais tarde, o próprio
tribunal declarou a lei inconstitucional. Os juízes, porém, já haviam
sido empossados no cargo pelo presidente do país.
Agora, a nova legislação poderá obrigar o
presidente do tribunal constitucional, Andrzej Rzeplinski, a aceitar os
cinco juízes escolhidos pelo parlamento controlado pelo PiS. Do
contrário, a corte não terá quórum para legislar, pois cada caso
necessita ser analisado por 13 magistrados.
Rzeplinski afirmou à mídia polonesa, no
início de dezembro, que os juízes escolhidos pelo PiS estão empossados,
mas não vão julgar nem deliberar até o imbróglio ser esclarecido.
As funções e prerrogativas do tribunal
constitucional são definidas pela Constituição, que o PiS não tem poder
para alterar, mas os detalhes de funcionamento e organização do tribunal
são determinados em lei separada.
Críticos afirmam que as novas medidas
praticamente eliminam a autonomia da corte máxima da Polônia. O próprio
tribunal afirma que a nova legislação interfere na sua independência,
contraria a ideia de um tribunal constitucional num regime democrático e
visa emperrar o funcionamento da corte.
No fim de semana, milhares de pessoas
saíram às ruas em Varsóvia e outras cidades do país para protestar
contra o governo conservador, acusando-o de atacar a democracia .
Os críticos do novo governo o acusam de
arquitetar um golpe de Estado, termo também utilizado pelo presidente do
Parlamento Europeu, Martin Schulz, para descrever a situação política
no país. A primeira-ministra polonesa, Beata Szydlo, chegou a exigir que
Schulz se desculpasse pela declaração.
Governo da Polônia planeja reforma da mídia
A organização Repórteres Sem Fronteiras
(RSF) disparou o alarme: ela disse estar "extremamente preocupada" com a
situação na Polônia. O motivo são os planos de reforma do setor
midiático. Embora eles ainda não tenham sido oficialmente apresentados
ao Parlamento em Varsóvia, já foram anunciados por membros do governo.
Há motivos para acreditar que o objetivo
da reforma seja enquadrar o "quarto poder". Os planos afetam as
emissoras públicas de rádio e TV e a agência de notícias estatal
polonesa PAP. De acordo com a proposta governamental, as atuais empresas
públicas de capital aberto deverão priorizar a sua "missão nacional".
Eles serão rebatizadas de mídias "públicas" para "nacionais". Em vez de
sociedades anônimas, serão "instituições culturais nacionais".
O vice-ministro polonês da Cultura,
Krzysztof Czaba?ski, explica o que entende por "missão nacional": a
história polonesa deve se tornar um ponto importante na programação. Com
"interesses nacionais", o que está sendo sugerido é uma programação que
apele aos sentimentos patrióticos da população. Críticos acreditam que,
com isso, um olhar crítico sobre a história do país vai ser quase
impossível na televisão pública.
Influência política
A reforma também prevê novas estruturas. O
novo "Conselho das Mídias Nacionais" – escolhido pelo parlamento e pelo
presidente – será responsável pela linha editorial e pela escolha de
pessoal. "Dessa forma, as mídias estarão subordinadas à maioria
parlamentar e à presidência, ou seja, a órgãos com um forte mandato
civil", argumenta Czaba?ski.
A instrumentalização da mídia polonesa
por parte do governo tem uma longa tradição. Em 2007, quando o partido
Plataforma Cívica assumiu o poder, as diretorias das emissoras de
televisão também foram ocupadas por pessoas ligadas ao governo.
Embora esse ponto seja muito criticado
pelo partido governista Lei e Justiça (PiS), essa crítica não significa
vontade de mudança. "Não somente na Polônia, mas também em muitos
países, as mídias estão sob a responsabilidade dos governantes, e até
agora ninguém encontrou uma solução melhor", afirmou Czaba?ski.
Jornalistas críticos parecem ter pela
frente tempos difíceis. Aqueles de quem o governo não gosta sofrem
intimidações ou são suspensos, como foi o caso da apresentadora de TV
Karolina Lewicka. Ao entrevistar o ministro polonês da Cultura, Piotr
Gli?ski, ela lhe fez perguntas desconfortáveis. Em seguida, o político
declarou abertamente, diante das câmeras, que ele não responderia as
perguntas, pois "se trata de uma emissora propagandística, e isso vai
acabar logo".
Também o programa de talk show de
Tomasz Lis – um dos mais conhecidos jornalistas poloneses – vai sair do
ar em breve. Lis é alvo de uma campanha de difamação. Czaba?ski
classificou o programa dele de "não objetivo, parcial, direcionado e
manipulador" e chamou o apresentador de "funcionário da propaganda". Até
mesmo o coordenador do serviço de inteligência Mariusz Kami?ski se
intrometeu no caso: "Seu nome simboliza o mal e é financiado pela TV de
fundos públicos."
"Quando políticos ofendem jornalistas,
chamando-os de propagandistas, e ameaçam com demissões, esse pode ser o
primeiro passo para a autocensura", afirma Katarzyna Twardowska,
porta-voz do atual Conselho de Televisão. Isso também pode avalizar um
comportamento agressivo com os jornalistas.
Acontecimentos recentes mostram que os
temores devem ser levados a sério. Numa manifestação de apoiadores do
governo, podia-se ver uma pequena raposa de pelúcia onde estava escrito
"Tomasz ao vivo". A raposa era uma alusão ao nome do jornalista. Em
polonês, "lis" quer dizer raposa. No mesmo protesto, alguém segurava
"uma gaiola para a raposa".
Em outra manifestação, um repórter da
televisão polonesa foi agredido. O microfone foi arrancado à força de
sua mão, e ele foi insultado diante das câmeras. Para tais eventos, a
maior emissora de TV privada TVN passou a enviar seus repórteres somente
com proteção individual.
"Novos tempos"
Nem todos podem fazer frente à essa
situação. Alguns jornalistas já relatam que, em suas redações, a
autocensura já está sendo praticada. Principalmente entre os repórteres
mais jovens existe um temor pelo futuro profissional. O governo lhes
promete "novos tempos" no setor midiático.
Muitos repórteres e apresentadores da televisão polonesa – incluindo celebridades – são free lancers,
e frequentemente eles não têm seguro de saúde nem pagam ou encargos
sociais. Quase ninguém consegue obter um contrato normal de trabalho.
Com "novos tempos", o PiS também se refere às relações trabalhistas.
Melhor financiamento
Apesar das críticas, justamente o atual
governo poderá conseguir melhorar o financiamento das mídias públicas.
Em teoria, elas são financiadas por uma taxa de telecomunicação. Na
prática, os hábitos de pagamento dos poloneses são ruins. Das dez
milhões de residências, somente um décimo paga a mensalidade de 5 euros
para o uso de rádio e televisão – nove milhões não pagam nada.
A culpa também é do ex-primeiro-ministro Donald Tusk. Em 2008, ele indignou a opinião pública falando de uma "forma arcaica de financiamento das mídias, de uma espécie de dinheiro de proteção." Tusk queria abolir a taxa de telecomunicação, o que acabou não conseguindo. Agora ele foi embora, mas os problemas continuaram, comenta Czaba?ski.
A culpa também é do ex-primeiro-ministro Donald Tusk. Em 2008, ele indignou a opinião pública falando de uma "forma arcaica de financiamento das mídias, de uma espécie de dinheiro de proteção." Tusk queria abolir a taxa de telecomunicação, o que acabou não conseguindo. Agora ele foi embora, mas os problemas continuaram, comenta Czaba?ski.
O governo estaria planejando um perdão
das dívidas e a introdução de uma nova taxa de telecomunicação,
equivalente à metade da anterior. A nova taxa seria paga por todas as
residências junto com a declaração de imposto de renda ou da conta de
luz, chegando a um montante anual de 400 milhões de euros.
Capital estrangeiro
Já o futuro do projeto de reduzir a
parcela de grupos de jornais estrangeiros na Polônia segue incerto. Esse
projeto se volta principalmente contra editoras alemãs, muito presentes
no país vizinho. Os membros do governo falam de uma "repolonização".
Também isso deve acontecer em nome dos
interesses nacionais – mas ainda não se conhecem detalhes. A reforma
deverá ser apresentado no mais tardar no início de janeiro.
União Europeia pede que Polônia respeite Estado de Direito
A União Europeia (UE) advertiu o governo
polonês para que evite colocar em risco o Estado de Direito com reformas
constitucionais controversas, que o ex-presidente da Polônia Lech
Walesa afirmou que minam a democracia e fez do país um motivo de chacota
internacional.
Em carta tornada pública nesta
quarta-feira (23/12), a Comissão Europeia instou aos ministros poloneses
das Relações Exteriores e da Justiça que as reformas não sejam
"aprovadas em definitivo ou colocadas em vigor" até que todas as dúvidas
sobre seu impacto "ter sido avaliados devidamente e de forma integral".
Segundo o texto, o braço executivo da UE
"atribui grande importância à prevenção do surgimento de situações em
que o Estado de Direito num Estado-membro poderia ser questionado". No
documento, o governo polonês é solicitado a informar à Comissão sobre
novas medidas o mais rápido possível.
Na terça-feira, o Parlamento polonês
adotou – com 235 votos a favor e 181 contrários, além de quatro
abstenções – uma controversa legislação que regulamenta o funcionamento
do tribunal constitucional do país. A medida alavancou uma avalanche de
críticas nacionais e no exterior.
"O Estado de Direito é um dos valores
comuns em que a União Europeia está fundamentada", disse o
vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans. Segundo ele, é papel da
Comissão interromper desenvolvimentos que poderiam colocar o Estado de
Direito de um país-membro em questão. Isso se aplica, por exemplo, se a
integridade, a estabilidade ou o bom funcionamento de um tribunal
constitucional estejam prejudicados.
"Não são somente os direitos fundamentais
da Polônia que estão sendo violados aqui, mas também os da UE",
advertiu o ministro do Exterior da UE, Jean Asselborn. "O
desenvolvimento em Varsóvia lembra, infelizmente, o curso que regimes
ditadoriais tomaram."
"Governo está agindo contra a democracia"
Na semana passada, antes da votação, milhares de pessoas protestaram na capital Varsóvia e em outras cidades polonesas acusando o governo conservador de minar a democracia.
Na semana passada, antes da votação, milhares de pessoas protestaram na capital Varsóvia e em outras cidades polonesas acusando o governo conservador de minar a democracia.
O ex-presidente Walesa, que liderou o
movimento que pôs fim ao comunismo na Polônia, criticou as políticas do
partido governante, o Partido da Justiça (PiS). Ele se juntou ao coro
crítico contra as ações do novo governo polonês, pedindo por um
referendo que forçaria eleições antecipadas. De acordo com a
Constituição do país, um referendo nacional só pode ser convocado pelo
Parlamento ou pelo presidente, em acordo com o Senado.
"Este governo está agindo contra os
interesses da Polônia, contra a liberdade, contra a democracia e está
nos ridicularizando em todo o mundo", disse Walesa, em entrevista à
estação de rádio Zet. "Tenho vergonha de viajar ao exterior".
A Polônia está numa crise política devido
às ações do PiS desde quando o partido liderado pelo ferrenho
conservador Jaroslaw Kaczynski conquistou a maioria parlamentar absoluta
nas eleições de outubro.
Em 1990, antes de se desentenderem,
Walesa tinha como conselheiros na presidência justamente o atual líder
do PiS, Kaczynski, e seu irmão gêmeo Lech, morto em 2010 no acidente do
avião presidencial em Smolensk, na Rússia.
Legislação controversa
Pela nova lei, decisões do tribunal
necessitam de uma maioria de dois terços, contrariando a regra anterior
de maioria simples. Segundo críticos, é praticamente impossível que
questões controversas obtenham uma maioria de dois terços, o que
impediria o tribunal de barrar leis polêmicas.
Outra mudança determina que os casos
sejam analisados por 13 dos 15 magistrados da corte, em vez de apenas
cinco para casos mais simples e nove para os demais. Críticos afirmam
que, assim, a corte poderá se ocupar de menos casos, o que emperra o
andamento da Justiça.
A lei prevê também um prazo obrigatório
de três a seis meses, desde a entrada de uma ação na corte até o
veredicto. O prazo anterior era de duas semanas.
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