Guerra no Oriente Médio está ligada à água e não ao petróleo



Júlio Ottoboni
JORNALISTA CIENTÍFICO
Engana-se quem acredita que o conflito no Oriente Médio, que se transformou numa guerra internacional tendo foco principal o ISIS ( Estado Islâmico), é algo ligado ao petróleo. A questão crucial é a água e os imensos reservatórios existentes na região. A busca pelo controle destas localidades, exatamente onde ocorrem as ações militares com maior intensidade, é a chave de todo o problema. O que se sabe: quem controlar a água potável controlará o mundo.
A questão tem sido divulgada por especialistas internacionais e pela própria Nações Unidas, e agora mais discretamente na Cop 21. Todos tem chamado a atenção para os recursos hídricos potáveis, embora o foco seja sempre desviado  para o controle da produção de petróleo, que além de ser barato no mercado internacional está em fase de substituição como combustível para a economia nas próximas décadas.
O alerta veio em 1997, o então vice-diretor geral da UNESCO, Adnan Badran, no seminário "Águas transfronteiriças: fonte de paz e guerra"  afirmou o seguinte:  "A água substituirá o petróleo como principal fonte de conflitos no mundo". Neste ano, o papa Francisco disse temer que o controle pela água por parte das grandes empresas mundiais termine por provocar uma guerra neste século. E publicou isso em sua encíclica sobre o meio ambiente, divulgada em meados deste ano pelo Vaticano.
"É previsível que o controle da água por parte de grandes empresas mundiais se converta em uma das principais fontes de conflitos deste século", registrou o pontífice.
Os Estados Unidos usam mais de 70% de sua água para irrigação e no agronegócio. Vários pontos de seu território enfrentam crises hídricas sem precedentes, com perda de lavouras e quedas vertiginosas na produção de grãos e carne. O Rio Colorado, por exemplo, deixou de alcançar o oceano por déficit hídrico. E as barragens tem sido um dos grandes problemas nos Estados Unidos.
Segundo o Greenpeace, o  maior reservatório de água doce do mundo, lago Baikal, que fica no sul da Sibéria, Rússia, está atualmente em nível crítico e gera especulações de que as regiões que são abastecidas por ele serão em breve afetadas pela seca. O baixo nível do lago também causa grande impacto na fauna local. Peixes são os primeiros a serem afetados pelo volume reduzido de água.
“O aumento dessa perda por causas humanas é como um grande rio de água doce da Terra para a atmosfera. Mudamos muito o sistema da água doce sem saber”, observou Gia Destouni, professora da Universidade de Estocolmo. “Já superamos os limites do consumo de água doce do planeta. Isso é sério”, acrescentou.
Os grandes mananciais no Oriente Médio e Africa.
O terceiro grande aquífero do mundo é do  Arenito Núbia,  com localização na Líbia, Egito, Chade e Sudão, tendo a extensão de 2 milhões de km². Sendo com capacidade de 150.000 km³. O quarto também é numa região seca do planeta, o KalaharijKaroo. Localização na Namíbia, Bostwana e África do Sul. Sua extensão: 135 mil km².
As enormes reservas hídricas da Líbia já foram usadas como armas contra os guerrilheiros na época de Gadafi. A Líbia é um dos países mais secos do mundo, embora tenha um volume de água impressionante. Uma contradição explicável. Apenas 5% do país recebem cerca de cem milímetros de chuvas por ano. Historicamente, os aquíferos costeiros ou as unidades de dessalinização de Trípoli eram de má qualidade devido à contaminação com água salgada. O recurso não era potável em muitas cidades.
Explorações petrolíferas no deserto do Sul da Líbia, em meados dos anos 1950, encontraram um tesouro enterrado. Elas revelaram a existência de água subterrânea potável, capaz de abastecer a crescente demanda do país. Os cientistas estimam que por volta de 40 mil anos atrás, quando o clima do Norte da África era subtropical, a água da chuva se infiltrou onde está hoje o aquífero.
Muammar Gadafi começou na década de 80 um projeto de irrigação, conhecido como o Grande Rio Artificial, para extrair água subterrânea das cidades de Kufra, Sirte, Morzuk, Hamada e do Aquífero de Pedra Arenisca de Nubia, para levar mais de cinco milhões de metros cúbicos de água, por dia, para as cidades costeiras.
As águas subterrâneas líbias capazes de manter a taxa de distribuição de 2007 durante os próximos mil anos. O Aquífero de Nubia, que inclui partes do Chade, Egito, Líbia e Sudão, é o maior sistema de água fóssil do mundo, cobre cerca de dois milhões de quilômetros quadrados e, estima-se, contêm aproximadamente 150 mil quilômetros cúbicos.
A água fóssil é a que ficou presa no subsolo há milhares ou milhões de anos, e, ao contrário dos aquíferos, este é um recurso não renovável. “O Grande Rio Artificial fornece água potável e para irrigação a 70% da população, levando-a do Aquífero do Sul para as áreas costeiras do Norte situadas a quatro mil quilômetros”, confirmou à imprensa o professor de Ciências Políticas da Universidade Americana do Cairo, Ivan Ivekovic.
Águas subterrâneas
Há dois grandes sistemas de aquíferos:  o da Montanha (totalmente sob o solo da Cisjordânia, com uma pequena porção sob o Estado de Israel), aquífero de Basin e o Costeiro, esse último se estende por quase toda faixa litorânea israelense até Gaza.
Conhecidas como águas 'transfronteiriças', estão classificadas como recursos naturais compartilhados. Segundo recente inventário da UNESCO, 96% das reservas de água doce mundiais estão em aquíferos subterrâneos e compartilhados por diversos países.
Em 2015,  por trás da crescente violência no Iraque, na Síria e no Iêmen,  e na onda de agitações civis na região de maneira mais ampla há uma crescente escassez de água. A Associação Norte-Americana de Obras Hídricas (AWWA) divulgou que a escassez de água ligada às mudanças climáticas é um problema global que desempenha papel crítico nos principais conflitos no Oriente Médio e no Norte da África.
Neste ano, nos relatórios da AWWA, o especialista norte-americano em gerenciamento de água Roger Patrick  avaliou que a "instabilidade política no Oriente Médio e a possibilidade de que o mesmo ocorra em outros países", ilustrando a crescente "interconectividade global" da escassez hídrica nos níveis local e regional.
Em 2012, um relatório do serviço de inteligência dos EUA - baseado em um estudo confidencial da Inteligência Nacional sobre a segurança hídrica, encomendado pela então secretária de Estado, Hillary Clinton – trouxe a tona o problema. O documento mostrou que após o ano de 2022, secas, alagamentos e a carência de água potável aumentarão a possibilidade de o recurso ser usado como uma arma de guerra ou um instrumento para terroristas.
Em 2003 a água já era apontada como um dos itens mais importante do conflito no Oriente Médio, mas é também o menos abordado.

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