Balanço aponta corte de 45% em orçamento; estiagem no Nordeste deixa 1.002 cidades em estado de emergência. Ministério nega cortes nos investimentos, diz que meta foi cumprida e que recursos 'seguem fluxo de instalações'
Balanço aponta corte de 45% em orçamento; estiagem no Nordeste deixa 1.002 cidades em estado de emergência. Ministério nega cortes nos investimentos, diz que meta foi cumprida e que recursos seguem fluxo de instalações. Arte - Folha
João Pedro Pitombo
Salvador
Salvador
"Desistir, nunca. A gente sempre tem que caminhar nessa vida e não perder a fé em Deus", diz o agricultor Gonçalo Vieira Ferreira, 71. Mesmo com as safras de feijão perdidas por quatro anos consecutivos, ele prepara mais uma vez a terra.
Morador da zona rural de Juazeiro, norte da Bahia e epicentro do semiárido nordestino, Gonçalo está a 55 quilômetros do rio São Francisco.
Mas não tem água para produzir e o pouco que usa para beber e cozinhar vem de um poço de captação irregular que divide com vizinhos do distrito de Massaroca.
Juazeiro, assim como outras 1.001 cidades do Nordeste, está em situação de emergência por causa da estiagem que perdura desde 2012. O número equivale a 55% dos municípios de toda a região.
Gonçalo Vieira se inscreveu para receber uma cisterna em sua casa, mas ainda não foi contemplado.
O ritmo do programa Água para todos –que prevê a instalação de cisternas em casas da zona rural do semiárido– foi desacelerado neste ano em meio ao cenário de ajuste fiscal nas contas do governo.
Segundo balanço do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), foram investidos entre janeiro e julho deste ano R$ 174,1 milhões na implantação de cisternas –redução de 45% em relação ao ano passado, quando foram aplicados R$ 333,9 milhões no mesmo período.
Cada cisterna tem capacidade para 16 mil litros, o suficiente para abastecer por oito meses uma família de cinco pessoas.
"O jeito é se virar com o pouco de água que tem para manter a família e não deixar morrer os animais", diz Gonçalo, que cria cabras nos fundos da casa.
Uma das coordenadoras da ASA (Articulação do Semiárido Brasileiro), Valquíria Lima cobra a retomada do ritmo da instalação de cisternas, consideradas essenciais para garantir água para consumo próprio e produção agrícola.
"Esse é um tema que não pode sair da pauta do governo e da sociedade, nem ser alvo de cortes com o ajuste fiscal", afirma.
SAFRA PERDIDA
No semiárido baiano, onde são raras as áreas com irrigação, a safra dos agricultores familiares já foi considerada perdida, segundo o coordenador estadual de Defesa Civil, Rodrigo Hita.
Diógenes Barbosa, engenheiro agrônomo e professor do IFBA (instituto federal da Bahia), explica que as chuvas em algumas regiões do semiárido no início do ano não foram suficientes para reabastecer barreiros e barragens.
"Tivemos um pouco de chuva que criou a falsa impressão de que a seca tinha arrefecido. Mas ela continua firme em toda a região", diz Barbosa. Segundo ele, o mês de agosto marca o início do período mais crítico da estiagem, que vai até novembro.
O Ministério da Integração Nacional diz que "não houve redução nos investimentos do programa Água para Todos" e que os aportes para a implementação das tecnologias de abastecimento foram feitos segundo o fluxo de instalações.
Segundo o ministério, a meta inicial de instalação de 750 mil cisternas foi atingida em dezembro de 2014.
GOVERNO JÁ GASTA R$ 2,4 BILHÕES COM CARRO-PIPA
Enquanto a gestão Dilma Rousseff (PT) reduz os investimentos em cisternas, os gastos com carros-pipa não param de crescer.
Nos últimos três anos, só o governo federal investiu R$ 2,4 bilhões na contratação dos "pipeiros".
Eles chegam a percorrer mais de 100 km em busca de água potável para abastecer áreas rurais.
O investimento é equivalente a quase um terço do orçamento de R$ 8 bilhões da transposição do rio São Francisco, a principal obra de abastecimento hídrico em andamento e que está 76,7% executada.
Apenas neste ano foram R$ 453 milhões investidos no abastecimento das famílias com carros-pipa.
Ao todo, são 6.705 "pipeiros" contratados em 780 cidades do Nordeste.
"O carro-pipa traz uma dependência para as famílias e cria currais eleitorais. Há políticos que comandam a distribuição da água e depois, nas eleições, vêm cobrar a fatura", afirma José Alves Duarte, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Juazeiro.
Em nota à Folha, o Ministério da Integração Nacional diz que o programa de carros-pipa segue critérios técnicos. A pasta afirma que a contratação, fiscalização e pagamento dos "pipeiros" é feita pelo Exército
Fonte:defesanet
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